Sinceridade? É de dar pena o teor da entrevista que o ex-presidente da República Michel Temer (MDB) concedeu com exclusividade à BBC News Brasil, abordando aspectos da conjuntura brasileira e divagando sobre temas relacionados com o governo que empalmou no vácuo do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT). Diga-se, de passagem, que Temer escapou por milagre de sofrer impeachment junto com Dilma, quando era vice dela, tendo em vista que juristas eminentes alegavam que a chapa completa estava contaminada pelas denúncias de ‘pedaladas fiscais’ e irregularidades administrativas. Temer, por assim dizer, escafedeu-se do braço da Lei, enquanto ganhava tempo, nos bastidores, para tricotar o desenho do governo que empalmaria daí em diante, como, de fato, se deu.
O que chama a atenção no perfil de Michel Temer, além do desastre administrativo que foi a sua passagem pelo poder, é a falta de simancol que nele desperta momentos de delírio, como quando julga ter feito “um grande governo” e elogia o sucessor Jair Bolsonaro “por dar continuidade” ao que supostamente fez, aí incluída a aprovação da reforma da Previdência e a proposta de uma reforma tributária. Essas coisas, a gente sabe, não saíram do papel na tumultuada Era Temer, inclusive, porque ele não dispunha de uma base de apoio confiável no Congresso e a qualquer momento estaria vulnerável se não atendesse a demandas fisiológicas de parlamentares. No tocante a alguns projetos, o que Temer fez foi dar continuidade ao que herdou das gestões de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, a ponto de abrir simbolicamente as torneiras que possibilitaram a deflagração do projeto de transposição de águas do rio São Francisco para regiões do Nordeste.
Mesmo não tendo méritos nem troféus preciosos a exibir, com sua assinatura pessoal e inconfundível, o marido de Marcela toma-se de ares narcisistas e avalia como “reformista” o governo que comandou numa quadra difícil para o cenário institucional brasileiro. Leiam, por favor, esse trecho delirante do ex-presidente Michel Temer: “Eu me recordo, quando presidente da República, eu dizia: “olha, será bem sucedido o presidente que der sequência àquilo que estou fazendo”. Mania de grandeza, claro – e o que é pior, sem respaldo. Afinal, foi tão “inesquecível” o governo Temer que ele não teve condições nem coragem de se candidatar à reeleição. O MDB ensaiou o lançamento de um candidato, o Henrique Meirelles, que não se apresentava como “candidato do Temer”, até porque isto lhe tiraria os poucos votos de que dispunha na corrida presidencial. Michel Temer ficou sem fichas no jogo. Trancou-se no Palácio, assistindo, à distância, a banda passar, sem ser ouvido nem cheirado para nada. Consta que até o cafezinho em palácio esfriou.
Hoje, Michel é um homem com tempo. Informa a BBC News que quase oito meses depois de deixar a Presidência da República, ele se mantém em dia com os principais lançamentos da plataforma Netflix: assistiu às minisséries Olhos que Condenam (“O Trump deveria pedir desculpas aos negros”, comenta) e Guerras Brasileiras (“Faltou incluir a Revolução Constitucionalista de 1932 nos episódios”, nota), além de “Os Últimos Czares”. Afora esses instantes de lazer, Temer divide seus dias entre o escritório de advocacia e a casa, onde reside com a ex-primeira-dama Marcela e o filho Michelzinho, de dez anos de idade. Ocupa-se, também – e esta é a parte mais intragável para ele – da própria defesa. É réu em seis processos e chegou a ser preso em março e depois em maio, em um caso comandado pelo juiz Marcelo Bretas, responsável pelo braço carioca da Operação Lava-Jato. Por fim, dedica-se a seu novo projeto, um romance, que qualifica “como uma ficção da minha biografia”.
Qual biografia, Sr. Michel Temer? Pelo menos o enredo não deve ser lá tão extraordinário, porque, rigorosamente, ele teria pouca coisa interessante a revelar para leitores ávidos por bastidores de poder e da história recente dos governos no Brasil. “Romance é uma coisa assim, é um trabalho, você escreve, de repente você volta, rasga aquilo, escreve, reescreve…”, explica, em tom doutoral, do qual abusou largamente no período em que esteve presidente, torrando a paciência de brasileiros e brasileiras. Temer se compara ao protagonista da série americana Designated Survivor, em que um secretário de governo é alçado à Presidência depois da morte do presidente e de todo o resto do gabinete. “É a história de um sujeito que assume em um impasse. Eu assisti naquela época do impeachment (de Dilma Rousseff). Eu me via muito na figura dele, sabia? Porque ele assumiu meio acidentalmente, né?”. Combinado, Temer: assim é, se lhe parece!
Fonte: Os Guedes
Créditos: Os Guedes