A trégua nas divergências entre o ex-governador Ricardo Coutinho e o sucessor, João Azevêdo, ambos do PSB, que fez com que os girassóis respirassem aliviados, trouxe à tona, nos meios políticos, brigas travadas no passado recente, na história administrativa da Paraíba, que ganharam manchetes em jornais e repercutiram em outros segmentos da sociedade. O ex-governador Ernani Sátyro, por exemplo, que foi escolhido por via indireta e assumiu em 15 de março de 1971, tinha emulação notória com o antecessor, João Agripino, apesar das origens políticas-partidárias semelhantes, fincadas na ex-UDN, depois Arena. Ernani dizia que João tinha ciúmes porque ele, além de político, era festejado como escritor, autor de vários livros, entre os quais “Mariana” e “O Quadro Negro”. Para além disso, havia a polêmica sobre quem mais construiu obras, alimentada com a decisão de Agripino de massificar propaganda das “Mil Obras” no Estado. Ao final do mandato, Sátyro elencou cerca de 1.853 realizações.
Já fora do poder, em depoimento ao jornal “O Norte”, em 1984, Ernani pontuou: “Não tenho a vaidade de dizer que o meu governo foi o maior de todos. Ninguém neste mundo é o maior em nada, muito menos eu. Digo apenas que não temo confronto com nenhum dos outros governos que passaram pela Paraíba, em dedicação e responsabilidade. Uma ação administrativa, principalmente em Estado pobre, muito depende dos recursos federais. Tive poucos, em relação ao que ocorreu aos governos posteriores”. As divergências entre Sátyro e Agripino foram acirradas com a eclosão, na Assembleia Legislativa, de um grupo de deputados dissidentes denominados “Tupamaros”, que lhe davam combate sem trégua. Na imprensa, os “Tupamaros” eram apontados como liderados do “agripinismo”. Aludindo, de raspão, a uma das borrascas emanadas do núcleo dissidente, Sátyro minimizou, bem ao seu estilo: “A ameaça de tempestade não chegou a ser nem ventania, e, sim, pequeno redemoinho de janeiro”.
Ernani foi substituído no governo por Ivan Bichara Sobreira, também escolhido por via indireta e que estava afastado da Paraíba há alguns anos, radicado no Rio de Janeiro, onde não deixou de frequentar círculos influentes. Ivan não teve embate direto com Sátyro, mas, sim, com o chamado grupo agripinista, que ganhou a companhia dos marizistas, adeptos do então deputado federal Antônio Marques da Silva Mariz. Na campanha de 78, Ivan decidiu concorrer à única vaga de senador em jogo e enfrentou nas urnas o emedebista Humberto Lucena. A dissidência agripinista-marizista fechou com a candidatura de Humberto, que compôs chapa partidária lançando dois outros candidatos ao Senado em sublegendas: Ary Ribeiro e João Bosco Braga Barreto. Individualmente, Bichara bateu Humberto na contagem de votos mas as candidaturas em sublegendas deram-lhe a maioria no resultado final. Ivan jamais perdoou o que chamou abertamente de “traição”. Queixava-se, também, do vice-governador Dorgival Terceiro Neto, que assumiu a titularidade com a sua renúncia para disputar o Senado e que se recusou a colocar a máquina administrativa a serviço da campanha, declarando-se como “um magistrado” no pleito.
1978 assinalou o divisor de águas dentro da Arena, que depois se tornou PDS, com o deputado Antônio Mariz disputando, em convenção, contra o professor universitário Tarcísio Burity, a escolha para governador indireto da Paraíba (foi a última indicação biônica do período, como se denominava na crônica política). Burity ganhou com o apoio da maioria dos convencionais da Arena, monitorados pela liderança do deputado federal Wilson Leite Braga, presidente do diretório do partido. Mariz e Agripino migraram para o MDB, que se tornou PMDB e em 1982 Mariz disputou no voto, novamente, o Palácio da Redenção, perdendo por 151 mil votos de diferença para Wilson, que era apoiado pelo ex-governador Tarcísio Burity, candidato a deputado federal, eleito. Em pouco tempo, Braga e Burity estremeceram relações. Wilson começou a acusar o governo anterior de ter deixado uma herança maldita para ele e ensaiou processo de aproximação com o PMDB para esvaziar, por vias oblíquas, um suposto crescimento do buritizismo. Em 86, Burity voltou ao governo, pelo voto e pelo PMDB, e foi sua vez de detonar a administração de Braga, responsabilizando-o por inúmeras dificuldades enfrentadas que desgastaram seu capital político em definitivo. Outros confrontos entre governadores e sucessores ocorreram no final da década de 90 com os primórdios do ano 2000, envolvendo José Maranhão, que ascendeu ao governo com a morte de Mariz, e o grupo Cunha Lima, representado pelo ex-governador Ronaldo Cunha Lima, mas, sobretudo, pela figura emergente de Cássio Cunha Lima, que em 2002 se elegeu derrotando Roberto Paulino, o candidato de Maranhão, e em 2006 derrotou o próprio Maranhão, tendo sido cassado em fevereiro de 2009 e substituído por JM, que concluiu o mandato.
Em 2010 entrou em cena no plano estadual o ex-prefeito de João Pessoa, Ricardo Coutinho, que atraiu Cássio na estratégia para derrotar Maranhão e foi eleito. Mas a lua de mel entre os dois durou pouco. Em 2014, Ricardo (PSB) e Cássio (PSDB) se enfrentaram nas urnas, com o socialista sendo reeleito, contando, em segundo turno, com o apoio de Maranhão. Ricardo passou a ampliar o leque de críticas, fixando-se, agora, em Cássio Cunha Lima, a quem acusava de práticas ultrapassadas. Em 2018, um Maranhão enfraquecido entrou no páreo pelo governo do Estado, enquanto Cássio apostava fichas na candidatura de Lucélio Cartaxo, irmão gêmeo do prefeito de João Pessoa, Luciano Cartaxo. O alvo comum dos dois na campanha foi a Era Ricardo Coutinho. Este, por sua vez, decidiu permanecer no Palácio até o último dia e conseguiu o feito de eleger em primeiro turno João Azevêdo, que era neófito político, enquanto assistiu de camarote a derrota de Cássio na tentativa de se reeleger ao Senado. Em janeiro deste ano, começaram a pipocar abalos na relação entre Ricardo e João Azevêdo, tendo como pano de fundo insinuações de irregularidades da gestão passada. No último sábado, para alegria dos “girassóis”, Ricardo e João se abraçaram e trocaram juras de alinhamento em sessão plenária do Orçamento Democrático. A expectativa nos meios políticos é sobre a duração dessa aliança consolidada originalmente em 2018.
Fonte: Os Guedes
Créditos: Os Guedes