O mínimo que se pode dizer sobre a atitude do ministro da Saúde, o cardiologista paraibano Marcelo Queiroga, foi que ele caiu numa cilada armada pelo presidente Jair Bolsonaro ao paralisar a vacinação de adolescentes contra a Covid, alegando falta de comprovação de eficácia científica da imunização. Desde que deu posse a Queiroga no lugar do general Eduardo Pazuello, que era o homem da logística do governo na Pasta, Bolsonaro vinha investindo para sabotar o trabalho do auxiliar e fazer valer os seus interesses e as suas ordens. Afinal, já havia deixado claro com outros ministros, como Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich, que eles não tinham autonomia nenhuma e deveriam se ater ao papel de meros cumpridores de ordens. O mesmo valeria para qualquer outro ocupante designado sob a sua chancela.
Com Queiroga investidas foram ensaiadas, mas não encontraram campo fértil, de largada, porque o paraibano havia dado partida, com êxito, à aceleração da campanha de vacinação, facilitando a retomada de atividades produtivas, o que era uma obsessão de Bolsonaro para atender a parcela expressiva do seu eleitorado. Bolsonaro também foi contido na sua sanha centralizadora pelas revelações da CPI da Covid instalada no Senado Federal, que se tornou uma espécie de palco de oposição e antecipou a campanha sucessória presidencial. Em algumas ocasiões, o presidente tentou desacreditar, pela ironia, a artuação do seu auxiliar na Pasta da Saúde, referindo-se a “um tal de Queiroga”, o que foi entendido como aviso de contrariedade. O ministro segurou-se no cargo graças ao jogo de cintura política e ao apoio que passou a receber de segmentos sociais para deter a escalada negacionista do capitão. Mas, pelo visto, esse jogo de cintura está se esgarçando.
A suspensão da vacinação de adolescentes foi uma medida extremamente grave, que não consultou diretrizes da Organização Mundial de Saúde, ao contrário do insinuado por Bolsonaro, nem opiniões de membros da câmara técnica que compõem o Plano Nacional de Imunizações do Ministério, que chegaram a ameaçar renúncia coletiva. Embora Queiroga tenha dito que a referida câmara não é deliberativa, constituindo-se apenas em órgão de assessoramento, dela fazem parte professores, especialistas e conselhos de secretários estaduais e municipais de Saúde. Queiroga usou como justificativa para a suspensão a notícia da morte de um jovem em São Paulo que se imunizou com a dose da Pfizer, mas análise conjunta realizada por 70 especialistas concluiu que a morte do adolescente foi provocada por uma doença autoimune, sem qualquer relação com o processo de vacinação a que fora submetido.
A impressão que ficou foi a de que o governo Bolsonaro fez alarde a respeito do assunto para disseminar terrorismo psicológico com pais e adolescentes e ao mesmo tempo alimentar a postura beligerante que trava com governadores como João Doria, do PSDB de São Paulo. O ministro Marcelo Queiroga, lamentavelmente, embarcou na onda do “chefe”, mas se queimou ao constatar que a maior parte dos Estados manteve a vacinação dos adolescentes, ignorando a orientação do Ministério, que soou como mais uma pirotecnia ideológica grotesca da ala bolsonarista que controla grande parte da administração federal. Em último caso, o governo federal já havia perdido a credibilidade com a insistência de Bolsonaro em recomendar o uso da hidroxicloroquina em pacientes com Covid, contrariando a ciência e a Organização Mundial da Saúde. No fecho da ópera, Queiroga confessou que suspendera a vacinação por ordem expressa de Bolsonaro.
Para líderes da oposição, a decisão tomada pela Pasta foi uma manobra para que o número de doses aplicadas diminua, uma vez que Marcelo Queiroga já havia feito críticas recentemente aos governadores que acusavam seu ministério de não repassar imunizantes suficientes, acarretando em falta do produto nas unidades de atendimento. Todos esses fatos são profundamente lamentáveis e não há como deixar de constatar que o ministro paraibano saiu profundamente arranhado da polêmica, mormente quando sinalizou obediência incondicional a Bolsonaro, contrariando preceitos científicos e a sua formação como médico. Conforme “O Estado de S. Paulo”, houve a determinação expressa de Bolsonaro, tomada após pressão dos bolsonaristas nas redes sociais, com quem ele dialoga. Do episódio restam, agora, dúvidas sobre o grau de confiança que Queiroga ainda terá para levar adiante pelo menos a política de imunização, que foi acelerada sob seu comando. Bolsonaro, novamente, atrapalha o pouco que pode dar certo no seu governo e confirma a impressão de despreparo para tomar as rédeas da Nação. É um presidente que nem governa nem deixa os ministros trabalharem.
Uma correção necessária: Na coluna política de ontem, neste site, abordamos casos de políticos que no exercício do mandato de senadores foram candidatos ao governo da Paraíba na história política recente, mensurada a partir de 1982. Citamos dois casos ilustrativos: os de Marcondes Gadelha, em 1986, e o de Antônio Mariz, em 1994. O “xará” ilustre Nonato Bandeira adicionou, em mensagem, mais dois nomes que concorreram ao governo em pleno exercício dos mandatos legislativos: José Maranhão, em 2006, e Cássio Cunha Lima, em 2014. Em paralelo com a necessária correção que estamos fazendo, para melhor exatidão histórica, cabe outro registro: tanto Maranhão quanto Cássio perderam as disputas ao governo nos respectivos períodos mencionados. Maranhão foi derrotado por Cássio, em 2006, ao governo do Estado, e da mesma forma Cássio foi derrotado por Ricardo Coutinho em 2014, quando tentava pela terceira vez voltar ao comando do poder estadual. Agradeço a prestimosa colaboração sobre fatos importantes da história do poder na Paraíba em suas etapas mais recentes.
Fonte: Os Guedes
Créditos: Os Guedes