Um registro da prestigiada colunista Dora Kramer, da revista “Veja”, confirma suspeita que, particularmente, sempre alimentei: a de que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), apesar de toda a coreografia ensaiada sobre sua inocência e da cantilena pela sua soltura-já, não dá sinal de que esteja desconfortável no quarto com televisão e água quente da Polícia Federal em Curitiba, diferentemente de vários de seus parceiros obrigados a conviver na cadeia dos comuns. Informa Dora que, a fim de, alegadamente, preservar sua “dignidade”, Lula da Silva se recusa a pleitear o benefício da progressão de pena que lhe daria o direito de sair para trabalhar e, adiante, cumprir prisão domiciliar com restrições semelhantes às hoje impostas nas dependências da Polícia Federal.
Isto não quer dizer que o ex-presidente não lute pela sua liberdade – havendo apenas um problema no meio do caminho: a obsessão de condicionar a sua soltura à confissão de sua inocência por parte de autoridades judiciárias e policiais que o incriminaram e determinaram a sua prisão. Em relação a esse ponto, é curial mas imperativo mencionar que Lula da Silva está catalogado no rol dos réus acusados de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. A recente redução de sua pena por ministros de uma Turma do Superior Tribunal de Justiça não ensejou comemorações ruidosas entre os lulopetistas por uma razão muito simples: há elementos imprevisíveis e de certa gravidade na rota dos processos contra o ex-mandatário, o que pode afetar a mobilização dos advogados de defesa em prol da redução progressiva da sentença de condenação a ele imputada. Só quem conhece o teor dos autos dos arrazoados movidos contra Lula tem noção aproximada do contencioso que ainda há para ser desbastado pela frente.
Dora Kramer chama a atenção para outra peculiaridade, que bate com a crônica sobre a trajetória e a personalidade de Lula. Uma vez posto em liberdade e, portanto, disponível para ficar em casa, o ex-presidente estaria na contingência de abdicar da condição de “preso político”, que é o que lhe dá status e popularidade na propaganda midiática internacional, onde expoentes petistas e líderes de movimentos ligados ao PT investem na narrativa de que Lula está preso injustamente e que foi condenado por motivações políticas-partidárias. Tal orquestração tem ensejado, até, lobbies para transformar o presidiário Lula da Silva em Prêmio Nobel da Paz, o que oficializaria, de fato e de direito, a almejada condição de “preso político”.
Deixando de ser um “preso político” e passando a usufruir da liberdade doméstica de movimentos, ampliada pela possibilidade de voltar a circular por qualquer parte do território nacional e, supõe-se, fazer incursões ao exterior, Lula da Silva teria de fazer frente, na avaliação lúcida de Dora Kramer, às cobranças pela reativação do Partido dos Trabalhadores, bem como responder às necessidades impostas ao partido no exercício de uma oposição fragmentada e desarticulada. “De onde está, nada lhe é cobrado”, emenda Dora Kramer. De fato. Por estar preso, Lula tem sido poupado de maior ingerência em desgastadas decisões atinentes ao futuro do Partido dos Trabalhadores, bem como de intermináveis discussões assembleísticas sobre candidaturas a esse ou aquele cargo em eleições municipais, da cidadezinha de Caetés no Nordeste brasileiro à metrópole São Paulo. Essas missões têm sido repassadas a diligentes “tarefeiros” do Partido dos Trabalhadores, como o professor Fernando Haddad, que cumpriu o papel de candidato a presidente da República contra Jair Bolsonaro em 2018 e a presidente nacional da agremiação, Gleisi Hoffmann, a deslumbrada burguesinha que comanda a nau fundada pelos que quebraram pedras nas franjas do emergente sindicalismo já nos estertores da ditadura militar.
Em certa medida, com seu personalismo exagerado, retroalimentado por fiéis e incansáveis militantes do Partido dos Trabalhadores, o próprio ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva deu asas e conferiu legitimidade à mobilização, inclusive, extra-petista, para santificá-lo ou deificá-lo no panteão da História brasileira e da política nacional-internacional. Desde que passou a exercer a presidência da República, Lula da Silva atribuiu-se o epíteto de “reinventor” do Brasil, tendo ficado latente nos ouvidos de brasileiros e brasileiras a narrativa de que “nunca, antes, na história deste País” houve um Lula e houve governos como o de Lula da Silva, aí omitindo-se providencialmente a figura desastrada da presidente Dilma Rousseff, atrapalhada e confusa a ponto de originar o “dilmês”, um dicionário de sandices e impropérios linguísticos cometidos à frente do poder antes de ser alcançada pelo impeachment. O fato de Lula querer permanecer onde está traduz mais uma inovação de faceta das coisas que só acontecem nesta terra macunaímica. Mas exatamente por isso, não se duvide de nada!
Fonte: Os Guedes
Créditos: Nonato Guedes