O governador João Azevêdo, ao firmar apoio, ontem, à pré-candidatura do ex-senador Cícero Lucena (PP) a prefeito de João Pessoa, selou oficialmente o rompimento político com o antecessor, Ricardo Coutinho (PSB), que foi tido como seu principal cabo eleitoral na disputa de 2018, vencida por Azevêdo em primeiro turno. Esse rompimento, de certo modo, já havia se cristalizado quando Ricardo manobrou para isolar Azevêdo dentro do PSB, destituindo o antigo diretório regional com afastamento de figuras que se mantiveram fiéis ao sucessor. Na sequência, Azevêdo oficializou o desligamento das hostes socialistas e em pouco tempo ingressou no “Cidadania”, que ainda está em fase de construção no Estado e que pretende estrear em grande estilo nas eleições municipais, em redutos estratégicos, nem sempre como cabeça de chapa.
Na Capital, por exemplo, o Cidadania cede a cabeça de chapa a Cícero e ao PP e poderá, ou não, indicar candidato a vice-prefeito, dependendo da avaliação que vier a predominar dentro de mais uma semana. Em qualquer circunstância, o apoio a Lucena foi sacramentado na palavra do governador, ontem. Diz-se que Azevêdo, como retribuição, espera ter o apoio de Cícero na campanha à reeleição para governador em 2022. Isto não ficou claro, pelo menos nas manifestações ocorridas ontem em transmissão por redes sociais. Tanto o governador como o candidato a prefeito falaram sobre ideias comuns focadas no crescimento de João Pessoa, com que estariam comprometidos, e na perspectiva de retomada do entrosamento entre o chefe do Executivo estadual e o gestor da Capital. Nas últimas décadas, essa relação institucional não tem sido republicana e, em alguns casos, tem mesmo prejudicado os pessoenses. Quanto ao futuro, pertence, mesmo, a Deus.
A aliança Cícero-Azevêdo desencadeou reações que chegaram a um grau virulento, como a do deputado federal Ruy Carneiro, pré-candidato a prefeito pelo PSDB, ex-auxiliar de Cícero na prefeitura, que insinuou estar Lucena se juntando a antigos inimigos que atuaram para triturá-lo politicamente. Foi uma alusão ao fato de que partiram do então deputado Ricardo Coutinho as denúncias sobre uma certa Operação Confraria, versando sobre irregularidades administrativas na prefeitura de João Pessoa no final dos anos 90 e começo dos anos 2000. As denúncias renderam uma prisão de Cícero, com tomada de depoimento, e processos arrastados, ao final dos quais Lucena saiu com atestado de absolvição. Na visão de Ruy Carneiro, Azevêdo estaria entre os algozes de Cícero porque era aliado de Ricardo. De concreto, não há registro de acusações de Azevêdo contra Cícero no bojo da Confraria – e, em 2020, Azevêdo protagoniza uma reviravolta oficializando o rompimento com Ricardo. Ainda havia quem jurasse de pés juntos que Ricardo e Azevêdo continuavam “assim” – e que a briga entre eles era pirotécnica.
O rompimento do governador com o ex-governador põe fim a uma convivência que já não subsistia e a especulações de toda ordem, a principal delas a narrativa engendrada sobre a pirotecnia do rompimento ou do desaguisado entre Ricardo e Azevêdo. Esse assunto tende a ser página virada, ainda que pescadores de águas turvas ligados a Ricardo possam teorizar que o cordão umbilical não foi cortado ou que os adversários de hoje de Cícero teorizem que ele “caiu na perdição”, como chegou a ser dito em nota pelo deputado Ruy Carneiro, furioso ao tomar conhecimento de que o ex-aliado “vendera a alma ao Diabo”, como expressou na nota publicizada. Essas reações passionais ficarão diluídas ou não no curso da campanha. Na prática, em nada mudarão o cenário que foi apresentado ontem ao respeitável público, no qual João Azevêdo e Cícero Lucena são retratados como grandes amigos desde criancinhas.
Uma outra controvérsia gerada pela aliança veio a lume pelas mãos do prefeito de João Pessoa, Luciano Cartaxo, do PV, que está prestes a terminar o segundo mandato no executivo local e que lançou como candidata à sucessão a ex-secretária Edilma Freire. Cartaxo pôs em dúvida a capacidade do governador João Azevêdo de transferir votos para outros candidatos. Deu como exemplo que em 2018 João foi receptor de votos transferidos – pelo que dá a entender – por Ricardo Coutinho e outras lideranças. Na verdade, foi um grande momento da trajetória de Ricardo, que não havia sido bem-sucedido em duas tentativas seguidas de transferir votos – em 2012, para Estelizabel Bezerra, e em 2016 para Cida Ramos. Ambas perderam para Luciano Cartaxo, que, por sua vez, tentou impulsionar a vitória do irmão gêmeo Lucélio ao Senado em 2014 e ao governo do Estado em 2018 sem êxito.
As ilações provocadas pela aliança entre João Azevêdo e Cícero Lucena acabam reforçando a versão de que a candidatura do ex-tucano ainda é forte na disputa deste ano, mesmo com empecilhos que precisam ser removidos. Se os adversários de hoje de Cícero conseguirem bloqueá-lo no tapetão estarão passando recibo de apreensão quanto ao estrago que a candidatura dele pode produzir, e talvez fazendo uma aposta arriscada que pode vir a se constituir em tiro no pé caso se confirme uma eventual inelegibilidade do “caboclinho” de São José de Piranhas. Na ambição desenfreada pelo poder, oponentes de Lucena correm o risco de transformá-lo na “grande vítima” desse estranho processo eleitoral de 2020. E, aí, só Deus sabe o que pode acontecer nas urnas.
Fonte: Os Guedes
Créditos: Os Guedes