Pelo que auscultei em depoimentos pessoais e pelo que me informei através de redes sociais e veículos de comunicação, o alívio maior produzido pelo impeachment de Dilma Rousseff decretado ontem não era propriamente voltado contra a presidente destituída, mas com a saída de cena do PT do comando do poder no Palácio do Planalto. A chamada ‘Era PT’ despertou resistências e hostilidades diante dos malfeitos cometidos por cabeças coroadas do partido, infiltradas em administrações – tanto as de Lula como as de Dilma. Os escândalos derivados da mistura de recursos públicos com dinheiro particular deixaram evidente uma cupidez pelo poder, emanada de figuras que passaram o tempo todo jurando de mãos postas que fariam diferente de “tudo isso que estava aí”. O PT foi muito longe na sanha pelas benesses do poder, ainda que jogando na lata do lixo valores como a ética e a correção no trato da coisa pública.
Dilma Rousseff batalhou incessantemente para protagonizar o papel de vítima, valendo-se da crença de que o inconsciente coletivo do brasileiro é condescendente com as vítimas. De fato, há esse sentimento arraigado no nosso imaginário ocidental e cristão, mas era difícil que ele valesse como mandamento para salvaguardar Dilma se, afinal de contas, ela também estava sendo conivente, de uma forma ou de outra, com o festival de roubalheiras que assolou o erário público nos últimos tempos. Restou a Dilma encenar para as câmeras – produzir imagens fortes e proferir duros desabafos capazes de emoldurar a filmografia do documentário que virá a público sobre o impeachment. Não houve comoção nas ruas pelo que transcorreu em Brasília. Ninguém incensava Michel Temer mas também não se sensibilizava com o choro de Rousseff. Para todos os efeitos, todos estavam nivelados no cenário desenhado a partir do Planalto Central.
O próprio PT, grande responsável pela imolação de Dilma no altar da democracia, havia jogado a toalha há tempos. Lula compareceu ao depoimento de Dilma por honra da firma e por estratégia para tentar salvar ganhos políticos num futuro próximo ou mais distante, já que ninguém tem bola de cristal. Sinceridade? Dilma não tinha noção do papel que estava representando e da dimensão trágica do que estava vivenciando, arrastando consigo algumas instituições firmes do estamento nacional. Era como se a ficha não tivesse caído. Ou como se o poder que Dilma centralizou com mão de ferro fosse permanente, indivisível, uno em torno da sua figura imantada pela condição de mulher exposta ao cadafalso num tribunal majoritariamente machista. Ninguém ignora que engendrou-se de tudo para que Dilma estivesse sempre como vítima no script – no caso, como vítima de misoginia. O argumento era frágil demais diante da gravidade de tudo que foi arrolado em autos ou denunciado em livros e em reportagens investigativas sobre os subterrâneos do poder. A relação incestuosa partido-governo veio à tona em toda a sua plenitude. A farsa foi desnudada sem muito esforço ou empenho retórico.
É lamentável que Dilma não tenha sido o exemplo em que as mulheres brasileiras gostariam de se mirar para avançar nas conquistas e nas batalhas que elas travam diariamente com vistas à sua emancipação e inserção como cidadãs capazes de tornar o país melhor, de executar políticas de justiça social. De empoderar o governo, como se diz no jargão feminista, para fazer diferente, para impor um corte epistemológico em modelos de gestão carcomidos. O PT foi o grande inimigo de Dilma no instante final de uma trajetória interrompida tragicamente e que ninguém sabe como e se será retomada. Dilma não merecia o que o PT lhe preparou – esta é a verdade cristalina. O país respirou aliviado hoje porque não está vendo o PT nos cordéis do Palácio do Planalto. Não é nada, não é nada, é alguma coisa, podem crer…
Fonte: Os Guedes