O final de semana foi marcado, no País, por uma profusão de manifestos em favor da democracia após ataques do presidente Jair Bolsonaro a instituições. Esses manifestos escoaram pelas redes sociais e páginas de jornais, agregando adversários ideológicos, defendendo a Constituição e a separação de Poderes. Como observou Fábio Zanini, em matéria na “Folha de S. Paulo”, guardadas as proporções, os manifestos buscaram recriar um certo clima de Diretas Já, a empolgante mobilização cívica desencadeada em 1984, quando o regime militar instaurado em 1964 se encontrava visivelmente nos estertores. Na esteira das mensagens, houve manifestações de rua em plena pandemia do coronavírus, opondo apoiadores de Bolsonaro a adversários do presidente da República, que tem se constituído em fiador de instabilidade política-institucional.
A maior iniciativa, conforme o registro da “Folha de S. Paulo”, é o Movimento Estamos Juntos, lançado no sábado, 30 de maio, que resgata a cor amarela, símbolo do movimento das Diretas-Já. No fim de semana, o novo Movimento arrebanhou assinaturas online ao ritmo de 8.000 por hora e reunia mais de 150 mil até a noite do domingo. O texto deixava claro: “Como aconteceu no movimento Diretas Já, é hora de deixar de lado velhas disputas em busca do bem comum”. O inimigo comum, pelo que ficou patente, é o autoritarismo, que não só tem sido praticado como tem sido ostensivamente incentivado por Bolsonaro e seus apoiadores, discípulos da volta do AI-5, de nefasta lembrança, remanescente dos porões da ditadura que infelicitou a Nação. A lista de signatários do manifesto incluiu apoiadores do socialismo e defensores do Estado mínimo.
Os manifestantes disseram representar mais de dois terços da população, referindo-se ao apoio de cerca de 30% a Bolsonaro registrados em pesquisas do Datafolha e outros institutos. Há, até mesmo, um movimento denominado “Somos 70 porcento” que ganhou as redes sociais. O texto não menciona o atual presidente da República mas manda recado claro a ele ao cobrar respeito à Constituição e separação dos poderes. Uma das apoiadoras, a socióloga Maria Victoria Benevides, tem larga experiência em outras mobilizações. Em abril de 1984, participou de uma foto histórica no topo do prédio da “Folha”, no centro de São Paulo, em que 61 personalidades clamavam por eleições diretas. Maria Victoria salientou:
– Estávamos numa situação de quem está saindo de uma ditadura e agora nosso medo é estarmos entrando numa. Por isso é que é mais fácil essa união de tucanos com petistas e o PDT ou economistas ortodoxos que se aliam a outros de esquerda. Benevides, que é integrante da Comissão Arns de Direitos Humanos, disse ter assinado incontáveis manifestos no passado e identifica uma diferença para os dias atuais. “Antigamente eu conhecia todo mundo. Hoje participo com gente que nem conheço, ou gente que eu vejo e digo: “puxa, nunca pensei que essa pessoa pudesse estar assinando um manifesto junto comigo”. Outra figura na histórica foto de 1984, o economista e ex-ministro Luiz Carlos Bresser Pereira, também assinou o novo manifesto. “O Brasil tem uma democracia consolidada, mas um presidente psicopata que a está ameaçando diariamente com palavras e atos”, sublinhou.
Defensor do impeachment, Bresser afirmou que a importância de manifestos e abaixo-assinados é mostrar a deputados que o afastamento do presidente é possível. E adiantou: “Hoje há dúvidas sobre a viabilidade do impeachment, mas ela vai se dar à medida em que um número cada vez maior de pessoas se manifestarem. No mínimo, isso mostra aos deputados que Bolsonaro não tem condição de se reeleger”. No domingo, surgiu outro manifesto, voltado ao meio jurídico. Com o título de “Basta!”, reuniu cerca de 720 profissionais do direito. Alega que o Brasil não pode continuar a ser agredido por alguém que, ungido democraticamente ao cargo de presidente da República, exerce o nobre mandato que lhe foi conferido para arruinar com os alicerces de nosso sistema democrático. Uma das apoiadoras, a professora da Fundação Getúlio Vargas Flávia Rahal diz que o manifesto agrega “vozes em defesa da democracia”. Chama a atenção, segundo ela, a velocidade com que esses documentos têm obtido apoio.
A circunstância de que tais convocatórias pela democracia e pela defesa da Constituição alcançam repercussão em plena convivência do país com a pandemia do coronavírus, que ocasiona o isolamento social, é ilustrativa do desejo das pessoas de saírem da inércia e agirem pelo respeito à democracia. Houve ainda posicionamentos mais específicos, como o do Colégio de Presidentes de Tribunais de Justiça, que se manifestou em defesa do Supremo Tribunal Federal na última sexta-feira, 29. Um outro documento com 650 assinaturas, encabeçado pelo antropólogo Luiz Eduardo Soares e contendo apoios como os dos músicos Chico Buarque de Holanda e Caetano Veloso pediu a formação de uma unidade antifascista. “É preciso consolidar uma maioria de democratas no país”, diz José Carlos Dias, ex-ministro da Justiça no governo FHC. Esta é uma urgência que corre paralela ao enfrentamento da crise sanitária. Só a mobilização democrática pode deter o fascismo que Bolsonaro busca disseminar pelo Brasil.
Fonte: Os Guedes
Créditos: Os Guedes