Os mais experientes recomendam que não se mexa com muitas pedras simultaneamente, diante da ameaça de que uma delas caia sobre a cabeça. O presidente Michel Temer, se não está propriamente mexendo em muitas pedras, está seguramente acuado no exercício do governo. Seu mandato pode ficar subjudice diante de ações que pedem o desmembramento do processo contra Dilma Rousseff a fim de que seja investigado o então candidato a vice. O argumento é o de que a chapa era geminada e que, desse ponto de vista, tanto Dilma quanto Temer foram cúmplices de irregularidades cometidas na campanha, como o abuso do poder político-administrativo.
Sobre essa questão especificamente jurídica, cabe ponderações que beneficiam Temer – a primeira delas a de que o hoje presidente não é formalmente citado em inquéritos que apuram delações premiadas feitas no âmbito da Odebrecht. Mesmo em casos de citação, Temer contaria a seu dispor com o privilégio da imunidade, o que evitaria que sua cassação sinalizasse uma sangria desatada. Há outros problemas que inquietam o governo de Temer. A convocação, para o dia 28, de uma greve geral, que vai reunir de padres a pilotos de avião, chega numa hora imprópria para os planos de Temer, até então empenhado em fazer valer a reforma da Previdência nos moldes concebidos pelos interlocutores do Palácio do Planalto. Parlamentares, muitas vezes, costumam ser sensíveis à voz rouca das ruas. E disso o presidente sabe melhor do que qualquer outra coisa.
A dimensão da greve geral articulada fornecerá uma boa pista sobre a quantas anda, de verdade, a popularidade do governo Temer. Sabe-se, por pesquisas de institutos especializados, que essa popularidade vem sendo corroída frequentemente, pela insistência de alguns setores da sociedade em negar legitimidade ao governo Temer. Ocorre que as pesquisas têm sido tabuladas numa conjuntura abúlica em termos de votações de matérias polêmicas. A partir de agora é que o bicho vai pegar. Temer quer testar, primeiramente, o grau de fidelidade que lhe é devotado no Congresso Nacional por políticos que enchem a boca e gritam que são seus aliados, ou, “da base governista”, como preferem. Teremos aí uma prova dos noves em torno da sustentação do governo.
Entretanto, a manifestação mais consistente e paradigmática será a que emergir das ruas. A greve geral tem o condão de devolver ao país o protesto popular, que ficou encapsulado por algum tempo como se a sociedade tivesse sido hipnotizada pelo governo. A expectativa é de que o encanto do feitiço tinha sido desfeito e que o governo de Temer seja conduzido ao patíbulo, ou ao pelourinho, como represália por medidas impopulares que estão embutidas nas propostas de reforma da Previdência. Há quem considere que Temer, por ter assumido em circunstâncias excepcionais, deveria se abster de tratar de assuntos controversos. Pessoalmente ele deve ter ouvido essa premissa da parte de interlocutores que lhes tem acesso. Mas o que restou, de concreto, foi que o presidente decidiu pagar para ver. Não é um ato de coragem ou de altivez. É o cometimento de uma bravata. A questão é saber a quem interessa ou a quem aproveita a bravata. Ao governo, seguramente, é que não é.
A perspectiva de uma paralisação geral não deve gerar reflexos do ponto de vista da estabilidade das instituições, que resistiram bem ao impacto do processo de impeachment de Dilma. Mas certamente ocasionará reflexos no capital de apoio popular ao governo para tocar reformas ou mudanças que preconiza. Temer cultiva o sonho recorrente a todo e qualquer governante, qual seja, o de ser aclamado por medidas que toma, embora ele tenha dito que não corteja o aceno da popularidade fácil. Seja qual for a ilação ou interpretação dos fatos que estão para desabrochar, o governo de Temer perdeu pique e reforço para ir adiante. Nesse ponto não dá como não acolher a alegação do ex-presidente Lula de que o governo está desgovernado. Esta é a impressão que fica para a maioria e que somada à lentidão na implantação de mudanças e melhorias cria um caldo de cultura preocupante para todos. A democracia custa caro – já disse alguém. Temer pagará um alto preço pela democracia? Eis a questão!