No contato pessoal que tive no final de semana com o ex-senador Cícero Lucena (ex-PSDB, atual PP), senti firmeza da sua parte quanto à disposição de concorrer à prefeitura de João Pessoa, que ele já ocupou em duas oportunidades (foi eleito em 1996 e reeleito em 2000, tendo perdido uma terceira disputa em 2012, mas logrando passar para o segundo turno). Há sinais de obstáculos no meio do caminho do projeto que Cícero volta a empalmar, referentes a pendências que tramitam no Tribunal de Contas da União sobre supostos deslizes no período em que foi prefeito da Capital. Vale destacar que tais pendências não têm, em princípio, ligação com a Operação Confraria, na qual foi envolvido e de que conseguiu se livrar, conforme a sua versão.
Cícero, investido em novo figurino partidário (o PP é um agrupamento familiar que tem como expoentes o vice-prefeito de Campina Grande, Enivaldo Ribeiro, a senadora Daniella e o deputado federal Aguinaldo), vai encarar os óbices judiciais e tentar removê-los, havendo sinais de movimentação de rito processual em pendências catalogadas no site do TCU. Enquanto os advogados cuidam dessa parte, lançando mão de argumentos que visam a proclamar sua absolvição, Lucena enfronha-se nas articulações políticas para compor chapa, atrair aliança valiosa e reforçar o esquema para concorrer à sucessão de Luciano Cartaxo. Já está claro que seu grande mote será a oposição a Cartaxo (PV), na exploração de falhas ou intercorrências administrativas que, a seu ver, desqualificam as duas gestões de Luciano como exemplares, contrariando a propaganda que ele e os seus correligionários alardeiam.
É claro que Lucena tem consciência de que também será alvo de bombardeio – não apenas especificamente sobre fatos relacionados à Operação Confraria, que lhe custou desgaste na mídia e arrastada batalha nos tribunais, mas também por medidas eventualmente impopulares cometidas no período de oito anos em que administrou a antiga Felipéia de Nossa Senhora das Neves. Casos pontuais como o de reajuste do IPTU em conjuntura inapropriada virão à tona, extraídos do baú que está sendo montado com esmero por adversários políticos – novos e velhos, que possam despontar na corrida eleitoral deste ano. No contraponto, caberá a ele, preferencialmente, capitalizar o que de positivo sobressaiu na jornada administrativa, sendo emblemático dessa fase o fim do Lixão do Roger, que constituía uma vergonha para a João Pessoa desenvolvida que setores conscientes da opinião pública reclamavam.
Opositores do ex-senador apostam que Cícero não vai longe na empreitada para retomar o comando da prefeitura de João Pessoa, recorrendo a teses como a de que ele seria um candidato do passado, que não teria nada de diferente a dizer às novas gerações, podendo, em paralelo, enfrentar resistência proveniente de recalques e frustrações que se acumularam em quase uma década na prefeitura e que se somariam a interesses contrariados e expectativas não correspondidas no período de aproximadamente um ano em que foi governador do Estado, sucedendo a Ronaldo Cunha Lima, e, finalmente, a decepções prováveis com a sua atuação como senador, que fez notória e renhida oposição a governos do Partido dos Trabalhadores. No reverso da medalha, os aliados fiéis de Cícero põem fichas num presumível “recall” de que ele será beneficiário, tanto mais porque líderes concorrentes morreram ou estão encrencados com a Justiça em proporção mais complexa que a sua. Completam essa ilação investindo na perspectiva de um discurso recauchutado, surpreendentemente inovador, alinhavado em meio a propostas que ficaram inconclusas e/ou não foram deflagradas e propostas de agora incorporadas à evolução da cidade e à reciclagem do ex-gestor.
De permeio, Cícero haverá de tentar capitalizar, uma vez confirmada a candidatura, a experiência que o domínio da máquina administrativa em João Pessoa confere a governantes com sensibilidade, o que lhe possibilitaria corrigir ou descartar, “in limine”, erros e opções que ousou testar nos dois mandatos em que esteve à frente da prefeitura, potencializando o que é seguramente viável e indispensável para o crescimento de uma cidade-polo de região metropolitana. Desse ponto de vista, focará na Saúde como prioridade maior, aproveitando que o tema está na ordem do dia das preocupações em virtude da pandemia do coronavírus que pôs a nu a falência de sistemas de Saúde Pública para fazer face a emergências ou calamidades. A sua incursão por essa área delicada seria coroada em alto estilo com a crítica a modelos postos em prática pelo ex-governador Ricardo Coutinho e que descambaram para a corrupção deslavada, com desvio de recursos para favorecer grupos políticos em conluio com organizações sociais.
Se restam dúvidas sobre elegibilidade de Cícero como candidato a prefeito de João Pessoa e sobre densidade eleitoral perante um contingente mesclado que incorpora novas tribos ou gerações, movidas por ímpetos de velocidade e, por óbvio, arredias a pregações passadistas, não deve haver dúvida sobre um fato: o de que Cícero ainda é elemento perturbador na disputa na Capital, com bala na agulha para, pelo menos, embolar cenários e atrapalhar estratégias de quem já se julgava dono de pista livre. A constatação de que Lucena já está embolando a disputa, à simples menção de provável candidatura, é indicativa de que ele não pode ser subestimado na conjuntura atípica de 2020.
Fonte: Os Guedes
Créditos: Os Guedes