UM LULA DO TAMANHO DO BRASIL
Por Lúcio Flávio
Não chegamos ainda ao corolário do golpe de 2016, ao ápice de uma trama política que envolve uma diversidade de questões e interesses, entre eles uma oposição a respeito de qual papel os EUA desejam que o Brasil assuma no mundo e o que nós queremos ser como povo, pela grandeza do nosso território, pelas riquezas que produzimos, pelo tamanho do nosso mercado que só não é maior que o tamanho da nossa gente.
Anteontem, entretanto, quando o STF negou o Habeas Corpus ao ex-presidente Lula, e ontem, quando o juiz Sérgio Moro, ansioso por completar sua obra de traição nacional, resolveu prender Lula, um tiro que se pretende mortal foi dado no coração de um projeto de Brasil cujo destino seja ditado por seu próprio povo.
Lula tem consciência que o lugar que ele hoje ocupa já foi, décadas atrás, de Getúlio Vargas, Jango e Brizola. Lula provavelmente não sabia disso quando entrou no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC pela primeira vez para iniciar a trajetória que o levou a fundar o PT e a tornar o PT um dos maiores partidos de esquerda do mundo, até finalmente chegar à Presidência.
Os governos Lula, com todos os seus limites, que são também e talvez principalmente os limites ditados pelo desprezo do povo pela eleição parlamentar, resumem o significado e o alcance históricos, que antes de tudo procuraram demonstrar para nós mesmos, brasileiros, o nosso potencial como nação.
Mesmo sem ter consciência e talvez desejando cumprir outro papel, Lula começava ali a caminhar, nos anos finais da década de 1970, por outras vias, na direção, no mesmo sentido histórico para o qual, um dia, Vargas, Brizola e Jango também caminharam. Era um caminho percorrido numa outra sociedade, decerto, num outro país que o Brasil se transformara, mais complexo, industrializado, moderno, com uma sociedade civil que emergia e amadurecia em plena ditadura.
Era um caminho para um lugar histórico que nenhuma dessas lideranças escolheu conscientemente ocupar, mas foi escolhida para liderar a superação de desafios que nos acompanham desde que o Brasil se tornou Brasil e seu povo se reconheceu como tal. Desde então, o Brasil foi se tornando uma verdadeira barragem de acúmulo de tempo, que vive ameaçando transbordar a cada quadra histórica em que nossas classes proprietárias empreendem uma fuga para frente.
Por isso, destruir Lula, assim como fizeram com Vargas e Jango, depois Brizola, é apenas mais um episódio histórico nesse esforço desesperado de uma elite que não logrou superar ainda sua “colonial mentality”, o lugar no mundo que escolheram para ela à custa da construção de um país da desigualdade, esse eterno apartheid social que nós somos.
Assim como não é possível deter as lavas quando sobem pelas fendas subterrâneas da terra e desaguam nas torrentes liberadas pelos vulcões, não é possível prender Lula ou destruí-lo, mesmo que o matem.
Até que o povo brasileiro abandone seu característico messianismo, novos Lulas continuarão se erguendo do seu meio. Isso porque Lula não existe por ser apenas “Lula”, o metalúrgico, o líder político, o Presidente. Lula existe e continuará existindo porque os problemas históricos que ainda persistem − as desigualdade sociais e regionais, a dependência, o analfabetismo, o desprezo da elite pelo povo − não foram superados. E até que sejam, Lula será mais do que Lula, será uma necessidade histórica.
Fonte: Polêmica Paraíba
Créditos: Por Lúcio Flávio