“Qual a caneta mais pesada e temida neste instante brasileiro?”, perguntou retoricamente o empresário Roberto Cavalcanti, em uma de suas colunas publicadas no finalzinho de maio de 2017 no jornal o Correio de Paraíba, pouco antes do julgamento de Lula pelo TRF-4. O título era uma zombaria: “Lula lá!”
No dia da publicação, eu registrei em texto as opiniões sobre a coluna de Roberto Cavalcanti, texto que Rubens Nóbrega publicou em seu blog: “é, antes de tudo, uma louvação à Justiça partidária, uma homenagem ao justiçamento político, quase um apelo desesperado para que Sérgio Moro cumpra logo o desígnio no papel para o qual foi escalado”.
Volto a esse texto de Roberto Cavalcanti logo após as revelações do site The Intercpt sobre os crimes da Lava Jato para demonstrar o grau de comprometimento da nossa imprensa com uma Operação que, já à época, era escancaradamente política.
“A do juiz Sérgio Moro”, responde ele mesmo à pergunta que abre o texto Roberto Cavalcanti, o mais novo “imortal” da Academia Paraibana de Letras, que também é dono, entre outras coisas, do Sistema Correio, um império de comunicação paraibano que se ergueu de um jornal. Assim como aconteceu com O Globo, que deu origem, durante a ditadura civil-militar de 1964, ao império das “Organizações Globo”, hoje em franca decadência.
O fundador do império Globo, Roberto Marinho, tornou-se também um imortal, mas da Academia Brasileira de Letras. Cada qual com seu cada qual, não é mesmo?
No texto, a louvação a Sérgio Moro, entretanto, foi abandonada temporariamente para que outros “mitos” fossem entronizados no panteão da Casa-Grande − como se sabe os habitantes da Casa Grande não apreciam muito essas histórias de heróis, que normalmente são tratados como chicletes, desprezados logo depois de perderem o sabor e, portanto, a utilidade.
Depois que Sergio Moro concluíra o serviço sujo, de capitão-do-mato que lidera uma turma de malfeitores, havia chegado a hora de incensar as caldas dos pavões da segunda instância, que tremulavam em busca da notoriedade monopolizada até ali por Sérgio Moro.
Roberto Cavalcanti então brindou seus pacientes leitores com uma descoberta fenomenal. A de que existiam “canetas ainda mais pesadas e severas no âmbito da Lava Jato” que a de Sérgio Moro!
Como aquilo era possível? Era preciso demonstrar porque se trava de algo realmente inacreditável.
Voltemos à pena do dono do Correio em busca dessa resposta: “Quem conhece o martelo dos desembargadores João Pedro Gebran Neto, Victor Luiz dos Santos Laus e Leandro Paulsen [anotem esses nomes] sabe que está diante da turma mais severa de todas as gerações que já integraram o TRF4″.
Eu lembro que no exato momento em que li essa frase, cheguei a sentir pular daquelas linhas o êxtase do prazer, porque deve emocionar a alguém tão preocupado com os destinos do Brasil e do seu povo, como Roberto Cavalcanti, o fato de três desembargadores estarem “fazendo história”. Que eles iriam “fazer história” disso eu nunca tive dúvidas!
Alguém advinha os motivos que levaram Cavalcanti a essa conclusão sobre João Pedro Gebran Neto, Victor Luiz dos Santos Laus e Leandro Paulsen [anotem esses nomes]? O dono do Correio, como um apreciador da boa técnica jurídica, nos ensina qual o modelo de um bom juiz:
ter “celeridade nos julgamentos”;
ter “capacidade de ouvir as partes”;
aplicar “novos modelos” − como um neófito em direito, eu pensei que era respeitar Constituição − “entre os quais se destaca a admissão de prisões cautelares mais dilatadas“.
Mai um parêntese: outro Roberto, o Santiago, que durante muito tempo deve ter se sentido inatingível, do mesmo jeito como pensa ser o Cavalcanti, deve ter concordado com o dono do Correio. Hoje, eu já não tenho tanta certeza.
Enfim, Roberto Cavalcanti deixa de lado as delongas e antecipa os votos dos três desembargadores, acertando na mosca o prognóstico: “Trocando em miúdos, eles têm não apenas confirmado as penalidades impostas por Moro. Têm, em muitos casos, amplificado as punições.”
Não é possível! Esse homem só pode ter incorporado Tirésias!
“E são essas ‘Bics’ [ops!] superpoderosas que podem decretar – a jato – uma das prisões mais aguardadas da República: a do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva”.
Como se vê, Roberto Cavalcanti pelo menos teve o cuidado de incluir um “pode”, mas eu acredito ter sido apenas uma concessão, para que não parecesse uma ordem. Afinal, não se dá ordem a juiz, não é mesmo?
E Cavalcanti continua a profetizar o futuro:
“A contagem regressiva de fato já começou. Porque, no ambiente jurídico, ninguém duvida que a 8ª turma do TRF4 vai confirmar, sem titubear, a sentença de Moro.
“Moro condena e eles assinam, categóricos, embaixo.”
Eis aí explicitada a linha editorial do Sistema Correio quando o assunto era a Lava Jato. E depois o apoio à candidatura de Jair Bolsonaro, explicitado pela opinião de muitos dos jornalistas do sistema, sobretudo Nilvan Ferreira e Vitor Paiva.
Um acontecimento ligava uma coisa à outra: a condenação e a prisão de Lula para inviabilizar sua candidatura e abrir caminho para a vitória do bolsonarismo.
Relendo o texto, agora eu fiquei na dúvida a respeito da autoria dos vazamentos que o site The Intercept está publicando sobre os crimes da Lava Jato…
Será?
Amanhã tem mais.
Fonte: Flávio Lúcio
Créditos: Blog Leia Flávio Lúcio