Não havia quem não se emocionasse com os discursos proferidos por Mocidade, uma figura singular do memorial pessoense que fez sucesso nas décadas de 1940, 1950, 1960 e 1970. Se dizia nascido como João da Costa e Silva (descobriu-se depois que na verdade se chamava João da Silva Costa), tinha vocação para a tribuna, realmente, mas era tido como um dos doidos da cidade.
O problema dessas classificações está em você encontrar com clareza o limite entre loucura e sanidade. “Mocidade da minha terra!…”, era como dava início aos seus pronunciamentos. Contam que ele teria feito o curso de Direito várias vezes, apesar de nunca oficialmente matriculado. É que lhe era permitida a entrada livre na Faculdade, na Praça João Pessoa, e, mais ainda, às salas de aula. E não cansava de usufruir do benefício. A ele são creditadas hilárias narrativas, que transitam entre a verdade e a lenda. Dizem, por exemplo, que no enterro de Ruy Carneiro, ex-interventor (1940-1945) e ex-senador (1951-1977) do estado, ele proferiu um discurso que emocionou os presentes, orçados aos milhares no Cemitério Senhor da Boa Sentença.
Na saída, era elogiado de corpo presente num dos grupos que se movimentavam à procura da rua, quando comentou: “Vocês não viram nada, discurso eu vou fazer no enterro de José Américo!!!”. Surpreendido com a promessa foi o próprio condenado à futura homenagem, que vinha logo atrás, em outro grupo, e ouviu o que Mocidade disse. Pano rápido! Era protegido do governador João Agripino, que administrou a Paraíba entre 1966 e 1971, de quem até ganhou moradia nos fundos da sua (de JA) residência particular, na praia de Cabo Branco. Dessa relação há um episódio dos mais repetidos sobre a história de Mocidade. 1968 foi um ano bastante movimentado em João Pessoa, quando foram registradas históricas mobilizações estudantis contra o regime vigente no país.
De Mocidade, lembro como se fora hoje, empunhando um cartaz, no Ponto de Cem Reis, com dizeres exatamente assim: “É preciso CIVILizar o país para não MILITARmos no erro”. Ele tinha espírito de oposição, apesar de protegido do governador. Num dos dias de protesto, fez emocionado discurso em favor dos estudantes, baixando a pua na ditadura e, por conseguinte, no governo estadual. Lógico que seu protetor mais poderoso logo ficou sabendo. À noite, Agripino aguardou a chegada de Mocidade em casa.
“Me diga uma coisa, homem, quem lhe dá proteção?”. “Você, João!”. (A intimidade era grande!). “Quem lhe dá casa e comida?”. “Você, João!”. “E por que você fez um discurso virulento hoje contra mim?”. “Governo é pra sofrer, mesmo, João!”. Kkkkk E foi dormir! Mocidade faleceu em 1981. Registre-se por fim o livro O Anjo Torto, sobre ele, do jornalista Gilvan de Brito, com registros preciosos sobre a própria vida pessoense de tempos atrás.
Fonte: Sérgio Botelho
Créditos: Polêmica Paraíba