Em João Pessoa, quem está na faixa dos 60 anos para cima, até um pouco menos, há de se lembrar do Boiadeiro, que vingou entre 1973 e 1981, do nunca esquecido poeta Bento da Gama (ex-procurador da República cassado e transformado em prisioneiro político quando da instalação da ditadura no Brasil, em 1964).
O empreendimento etílico-musical, essencialmente catártico, existiu na rua Coração de Jesus, em Tambaú. Antes, no mesmo local, aninhou-se o Asa Branca, iniciativa de Raul Córdula, de roteiro breve, mas de boas recordações para a boêmia pessoense. O Boiadeiro, espaço único de resistência cultural e espiritual, naquele momento tão sombrio da vida brasileira, era um fenômeno de gente e de animação. Em suas rústicas e aconchegantes mesas, em um prédio nada a ver com algum tipo de modernidade, violões, conduzidos pelos próprios clientes, acompanhados em coro pelo bar inteiro, se revezavam a executar exclusivamente a boa música popular brasileira.
Não havia nada eletrônico, nem mesmo elétrico, no recinto. O show maior era feito pelos próprios frequentadores, o tanto de noite e madrugada que os deuses da boêmia permitissem. De mesa em mesa, Bento, fisionomia serena, um indefectível pandeiro nas mãos e, diferentemente do bar inteiro, sem um pingo de álcool consumido, mas enorme disposição para a balada, marcava o ritmo da noite para deleite geral.
Sem esquecer as presenças constantes de Pinto (Orlando Miranda) e de Maropo (que, por um curto período, após 1981, herdou o bar), instrumentistas de primeira, também de mesa em mesa. Pinto (que também marcou época no futebol de salão paraibano), de tanto frequentar o Boiadeiro, terminou apaixonado e casado com Maria do Carmo, uma das filhas de Bento, até hoje. Pelas mesas do Boadeiro passaram, na condição de noctívagos, gente de sucesso no mundo da MPB a exemplo de Elba Ramalho, Juca Chaves, Beth Carvalho, Wando, Jessé, Chico Buarque, Geraldo Vandré, Vital Farias, Zé Ramalho, Luiz Ramalho, Ivan Lins, Gal Costa entre outros.
E especialmente artistas que estavam em destaque na terra, como Carlos Aranha, Golinha e Floriano, dos Quatro Loucos, Hugo Guimarães Filho etc. Foi mesmo bastante comum talentos de fora terminarem a noite no Boiadeiro após shows em João Pessoa, inclusive dando canjas que, normalmente, eram concedidas das próprias mesas, embora houvesse um palco.
José Carlos Alves Coelho, mais conhecido por Zé Carlos, me disse que chegou a dividir mesa com Lucélia Santos. Era assim. Para finalizar, digo, sem medo algum de estar sendo exagerado, pois não me acho tão isolado neste sentimento: nunca houve um bar em João Pessoa que representasse tanto a cidade, significasse tanto para uma época e, por tudo isso, deixasse tanta saudade quanto o Boiadeiro!
Fonte: Sérgio Botelho
Créditos: Polêmica Paraíba