Além de 1892, ano de fundação, 1984 acabou sendo de forte significado para a outrora produtiva Fábrica de Vinhos de Caju Tito Silva & Cia, em João Pessoa. Foi quando a empresa fechou, teve seus maquinários e prédio e tudo o mais tombados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), evitando serem tomados por dívidas. Mas também foi quando começaram os saques que deixaram, em pouco tempo, o prédio limpo de seu maquinário e praticamente em ruínas.
Dessa forma, fechando um virtuoso ciclo de elevada produtividade e prestígio na Paraíba, no Nordeste, no Brasil e no mundo. Sua matéria prima básica era o caju, mas a fábrica chegou a produzir vinho de uva e de jaboticaba, além de comercializar vinagre, álcool, aguardente e genebra (bebida típica da Holanda, elaborada a partir da destilação de álcool neutro na presença de bagas de zimbro, uma planta medicinal também conhecida como genebreiro, mas também de outros botânicos), afora néctares de frutas, como jenipapo, fruto do jenipapeiro.
A qualidade dos vinhos produzidos pela fábrica pessoense, por meio de diversas marcas, entre as quais a Lágrimas de Ouro, Restaurador e Celeste (o que mais fama adquiriu entre nós), garantiram à Tito Silva prêmios em Turim (1910), Bruxelas (1911), e outro na Exposição do Centenário do Brasil (1922), no Rio de Janeiro. O curioso é que nesses primeiros tempos, tocada pelo fundador da fábrica, jornalista Tito Henrique da Silva, a linha de produção compunha-se basicamente dele, da mulher e do filho.
A partir de 1940 é que começa a fase de ouro da Tito Silva, quando o vinho paraibano chegou aos mercados da Alemanha e dos Estados Unidos. Nessa época, a fábrica, já cheia de operários, consumia diariamente de 25 a 30 toneladas, processadas em máquinas altamente modernas. E foi justamente esse um dos problemas que levou o negócio à ruína econômica. Em função de o caju se constituir na matéria prima indispensável à sua produção, e começar a faltar em quantidade suficiente ao processo produtivo, nos arredores da fábrica, e mesmo no estado, impôs-se a necessidade de sua importação, a custos elevadíssimos, de outros estados.
Juntou com a carga tributária elevada e deu-se a sincronia de elementos negativos suficientes para a desgraça da Tito Silva. Ainda lembro perfeitamente de que no início da década de 1970, ao menos na Reitoria da Universidade Federal da Paraíba, toda recepção em que houvesse a exigência de coquetel, a bebida ofertada era o vinho Tito Silva, gelado e em cálices. Era a força que as autoridades locais passaram a dar ao produto paraibano, mas já sem condições de manter a produção viável.
A decadência financeira vinha assombrando desde a primeira metade da década de 1960. Quem salvou a fábrica e seu maquinário de provável arresto foi o Iphan em obediência a parecer do Centro Nacional de Referência Cultural, criado em 1975. Em pesquisa sobre a importância do caju para a economia e a cultura brasileira, com destaque para o Nordeste, o CNRC detectou a importância da técnica de produção do vinho de caju como forte elemento identitário. Então, tombou a fábrica Tito Silva, seu maquinário e até seu processo produtivo (que, apesar disso, não se efetivou).
Com a fábrica vazia, e sem vigilância, tornou-se impossível evitar o roubo e a depredação do prédio, na sequência. Quase que inteiramente destruída, segundo relata o Memória João Pessoa, foi restaurada com investimentos da Agência Espanhola de Cooperação Internacional, do IPHAN e do Ministério da Cultura. A atividade restauradora teve início em outubro de 1997, e concluída em setembro de 2003, quando passou a abrigar a Oficina Escola de João Pessoa, responsável pela execução do restauro.
(A foto do rótulo é da coleção mantida pela Fundação Joaquim Nabuco)
Fonte: Sérgio Botelho
Créditos: Sérgio Botelho