Na última crônica que publicamos, o assunto foi a nossa histórica rua Duque de Caxias, entre as mais antigas da cidade. Batizada de Rua Direita, a denominação, em muitas urbes portuguesas, era dada à principal artéria local, conectando, de forma ‘directa’, ou direita (embora, nem sempre reta), pontos importantes como igrejas, entradas da cidade ou sedes de governo. No caso de João Pessoa, ligando os dois conjuntos católicos Franciscano e Jesuítico, sendo, o dos Jesuítas (na atual Praça João Pessoa), o último marco físico da cidade no rumo de Olinda e Recife.
Em grande parte das urbes brasileiras, a exemplo de São Paulo e Recife, as ruas chamadas de Direita mantêm o nome até hoje. A rua, como vimos no texto de ontem, abriga prédios muito antigos, dos tempos coloniais, mas poderia abrigar mais, não fosse uma descabida tendência de parte de nossas elites dirigentes por modernidades, a todo custo, ainda que o obstáculo a ser vencido seja um marco histórico. Foi o caso da Igreja de Nossa Senhora do Rosário (a da foto, com a cruz no alto) mantida pela Irmandade dos Pretos e Pardos, que havia na Rua Direita. Sem a mínima preocupação memorialista, voltada para o seu resguardo, logo puseram o templo católico no chão, sem qualquer respeito à sua origem seiscentista, visando a construção da Praça Vidal de Negreiros (o Ponto de Cem Reis). Muito menos consideração dispensaram ao atendimento que recebiam os pretos e pardos associados da Irmandade, beneficiados em seus apuros pela dita organização, dirigida por eles próprios.
A igreja com a denominação de Nossa Senhora do Rosário foi reconstruída em Jaguaribe, com a direção inteiramente entregue ao clero secular, portanto, sem a Irmandade. No final do episódio, quem perdeu foi a memória urbana, cultural e religiosa da cidade, além dos escravos e seus descendentes, impiedosamente privados do amparo que a Igreja do Rosário dos Pretos lhes proporcionava.
Sergio Mario Botelho de Araujo Paraibano, nascido em João Pessoa em 20 de fevereiro de 1950, residindo em Brasília. Já trabalhou nos jornais O Norte, A União e Correio da Paraíba, rádios CBN-João Pessoa, FM O Norte e Tabajara, e TV Correio da Paraíba. Foi assessor de Comunicação na Câmara dos Deputados e Senado Federal.