A Bagaceira na Festa das Neves consistia em um espaço do evento onde predominavam barracas populares, autorizadas a integrar a festividade, acolhendo uma diversidade de pessoas pouco interessadas na celebração oficial, à margem tanto das atividades profanas quanto, claramente, das religiosas que constituíam a Festa das Neves.
Habitualmente, a Bagaceira se estabelecia na calçada do tradicional Colégio das Neves. Durante a celebração, as irmãs deixavam o colégio e se dirigiam a uma casa de praia, uma vez que ficar no edifício não era opção. As barracas, muitas erguidas desafiando a física, atraíam pessoas simples e intelectuais de várias áreas: cinema, teatro e música, principalmente.
Figuras como Pasolini, Fellini, Antonioni, Godard, Bergman, Resnais, Truffaut, Moreau, Eisenstein, Marx, Engels, Sartre, Caetano, Gil, Chico Buarque e Vandré eram temas de acaloradas discussões na Bagaceira. Afinal, intelectuais não frequentavam a Festa das Neves; buscavam a Bagaceira, onde as conversas se estendiam madrugada adentro, regadas principalmente a cachaça, o carro-chefe do grupo, acompanhada de petiscos rústicos como caldinhos de feijão e peixe, além de frutas como umbu, laranja e caju.
Dentre os petiscos, o siri-mole destacava-se por sua excepcionalidade. A iguaria, pescada nas proximidades, no Porto do Capim, era preparada com grande cuidado. Preocupações com higiene não eram prioridade, prevalecia a confiança absoluta. O siri-mole, rico em caldo com leite de coco e legumes, era habitualmente servido com fatias de pão, permitindo que, após degustar a carne com casca, o cliente saboreasse o pão embebido no caldo.
Um verdadeiro espetáculo! Ainda hoje, não recuso um prato de siri-mole quando oferecido. Revolucionários e conservadores conviviam harmoniosamente entre os frequentadores da Bagaceira, sem que houvesse conflitos por suas divergências. O propósito era beber, falar alto e, conforme o orçamento permitisse, degustar as “comidinhas”. Entre essas iguarias, além do siri-mole, destacavam-se o caranguejo, preparado de diversas maneiras, e a inigualável buchada de bode.
Para alívio dos frequentadores, em especial da bexiga, a solução era procurar a Ladeira da Borborema. As mulheres, claro, enfrentavam mais dificuldades, mas a situação era contornável com a formação de uma barreira humana. A modernidade, aliada ao preconceito, acabou por extinguir a Bagaceira.
Com isso, também se perdeu a essência original da Festa das Neves. Na João Pessoa contemporânea, já não há lugar para nenhuma das duas. Resta, apenas, a saudade.
Fonte: Sérgio Botelho
Créditos: Polêmica Paraíba