Estão vendo a foto, que ilustra este texto, mostrando um sobrado inteiramente lacrado e visivelmente a caminho do arruinamento? Em seus tempos áureos de funcionamento logo depois do terraço da frente havia um salão margeado por cadeiras onde moças permaneciam sentadas, bem-vestidas, bem maquiadas, a maioria risonha, outras mais quietas, como olhar de saudade, mas todas esperando clientes; alguns já conhecidos, outros nunca vistos nem ouvidos nem sonhados.
A porta, geralmente fechada por dentro, só era aberta depois da observação, por meio de uma portinhola, para ver de quem se tratava. Após a visualização, da cabeça aos pés, então a entrada podia ser concedida, ou não. No salão, a indefectível luz vermelha. Na sala contígua, mesas com clientes a tomar whisky ou rum (geralmente da marca Montilla) com Coca-Cola, com ares de supremacia masculina inquestionável, a exibirem risos largos e de certo deboche, como se as moças fossem conquistas fáceis a serem celebradas. O ambiente era brega, como se diz hoje, mas brega que irradiava luxo. Os garçons, profissionais, em sua maioria atendiam com presteza.
Alguns deles, ao longo do tempo, se tornavam confidentes das moças. Ao fundo, uma vitrola de ficha atendia às preferências dos clientes manifestadas justamente por meio de uma ficha antecipadamente adquirida junto aos garçons ou no próprio balcão do estabelecimento. De vez em quando, um cliente ia tirar uma daquelas moças para dançar. A partir dali, seria possível evoluir para um “namoro” que geralmente terminava num dos quartos das casas. Não havia ainda os hoje tão famosos motéis.
Na referida casa da foto, no final da Rua da Areia, por trás da antiga fábrica de cigarros Popular, mas que também já foi sede da Prefeitura de João Pessoa, funcionava com pompas e circunstâncias o Cabaré de Irene. Mas a descrição tanto serve para entender o que era a Cabaré de Irene ou o de Hosana, os mais famosos, principalmente na João Pessoa das décadas de 1950 e 1960, na cidade baixa.
Sabe aquelas vitrolas de ficha de que falei ainda há pouco? Em épocas mais anteriores, dizem, a música era mesmo executada por orquestras, ao vivo e a cores, como se diz, em bailes onde só entrava “quem tinha negócio”, ou seja, os mais abastados. Empresários, altos representantes comerciais, fazendeiros, médicos, advogados, engenheiros, e raros “filhinhos de papai” reconhecidos pelas proprietárias (Hosana chegou a ser capa de uma revista de grande circulação em João Pessoa, na década de 1970) formavam a clientela mais prestigiada naqueles tempos de gala dos cabarés.
Nos dias comuns, era possível, então, ver estudantes universitários e, mesmo, secundaristas de maior, em busca do amor das jovens recrutadas pelos bordeis. Muitos amargavam contínuos insucessos já que não eram, apesar da juventude, objeto de desejo das moças: “turma de liso e de xexeiro”.
Com o passar do tempo, a popularidade dos cabarés tradicionais diminuiu, em parte devido a mudanças sociais, regulamentações mais rígidas e a evolução das formas de entretenimento. Além do desenvolvimento de outras concepções menos glamorosas para a prostituição, uma prática mais que milenar na história humana, da antiguidade oriental aos gregos e romanos e assírios e babilônios.
(A foto é do Google Street View)
Fonte: Sergio Botelho
Créditos: Polêmica Paraíba