Os mais expressivos sonhos de Sebastião Henrique da Silva, mais conhecido como Tião, ele alcançou para além do esperado. Primeiro, ele só queria conhecer o mar, quando chegou em João Pessoa nos idos de 1964. Mas não só conheceu o ‘grande açude do governo’, conforme lhe apregoavam seus amigos simples de Patos, como acabou ficando, para o resto da vida. Fez de tudo o que pôde para aprender as artes de cortar cabelo e de fazer barba para conseguir uma profissão, uma vez que era analfabeto, e já com 31 anos (nasceu em 1933). Só queria isso, mas com isso tocou o nunca esperado.
É que depois de aprender, embora ainda meio sem jeito, como cortar cabelo e barbear, conseguiu emprego em uma barbearia de muita visibilidade, no badalado Paraíba Palace Hotel. Ainda nessa condição entre aprendiz e profissional, o salão recebeu, como de praxe acontecia, o então governador Pedro Moreno Gondim, apressado para “fazer o pé do cabelo”, ou seja, aparar o cabelo no pescoço. A despeito da insegurança do dono do salão, acabou que foi Tião quem atendeu o pedido do governador. Então, terminado o serviço, ele encaminhou uma petição oral ao governador, ali mesmo, que mudaria sua vida, para sempre. “Governador, me deixe conhecer o palácio; se eu disser que conheci o palácio aos meus amigos do sertão, eles nem vão acreditar”. Gondim ouviu, e foi embora.
Dias depois, chegaram à barbearia dois auxiliares do Palácio da Redenção convidando Tião a acompanhá-los, junto com os documentos. Para alguns incrédulos colegas veio logo a interpretação: “Pronto, Tião vai ser preso pela ousadia”. Mas Tião não só conheceu a casa dos governadores como saiu de lá nomeado barbeiro oficial do governo, com exercício no Palácio, primeiro e único a ocupar a função, até os dias de hoje.
O espaço destinado a Tião, contudo, lotava todos os dias da semana, em especial de muita gente metida a cortar o cabelo de graça e, mais ainda, ficar próxima do governador para ser vista, notada, e quem sabe atendida em eventuais demandas. Aí, ao ocupar o Palácio, o próximo governador, João Agripino, viu aquela enchente como algo indesejável. Ao invés de despachar o barbeiro, ele sugeriu que Tião abrisse uma barbearia ali por perto, onde os governadores pudessem chamá-lo a qualquer momento, o que terminou acontecendo na Vila Caxias. Lá, o nosso protagonista inaugurou o para sempre famoso Salão Presidente, com freguesia altamente qualificada, especialmente no mundo político paraibano.
Entre um corte e outro de cabelo e raspagem de barba, com governadores e políticos, Tião acumulou histórias hilárias e outras nem tanto. As engraçadas, ele contou a quem pôde. As dramáticas, ele guardou. Um de seus filhos, o jornalista Luiz Henrique, atualmente um dos comandantes do programa de rádio Revista Estadual, da Tabajara, entrevistador e apresentador do Palavra do Governador, e dono da Rádio Quintal, pela internet, é cuidadoso guardião da memória do pai, o que faz por meio de arquivos com matérias de jornais, de rádio e de TV, que foram muitas enquanto Tião vivia.
Hoje, apenas saudade, Tião vai sobrevivendo por meio de iniciativas como esta, que buscam, pelo bom uso dos meios que cada profissão nos proporciona, no meu caso, o texto, guardar-lhe a memória, assim como procederei também com outras personalidades emblemáticas da cidade de João Pessoa. Orgulhoso, apenas quero deixar registrado que, por várias vezes, utilizei os serviços do Salão Presidente, e do inesquecível Tião, oportunidades extraordinárias para ouvir histórias formidáveis sobre a vida diária paraibana, saídas dos escaninhos das memórias de Tião.
Fonte: Sérgio Botêlho
Créditos: Sérgio Botêlho