A manifestação realizada em Monteiro, Paraíba, ontem, a pretexto de cobrar do governo federal a retomada do projeto de transposição de águas do rio São Francisco, no Nordeste, teve um viés eminentemente político, com implicações no cenário nacional e regional. Articulado pelo ex-governador Ricardo Coutinho (PSB), que luta ostensivamente para se manter à tona depois de ter desperdiçado a chance de conquistar uma cadeira no Senado e optado por emular com o sucessor a quem apoiou, João Azevêdo, o ato integrou o roteiro preparado pelo PT nacional para pressionar o Supremo Tribunal Federal pela soltura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Na passagem por Recife, aliás, Fernando Haddad foi enfático ao apostar na concessão iminente de liberdade a Lula, ignorando a pilha de processos contra ele.
A bandeira da transposição foi o penduricalho maior em face da atualidade que o tema voltou a ganhar, com a suspensão dos trabalhos de bombeamento, comprometendo a chegada das águas a regiões carentes. Embora o Planalto alegue a ocorrência de problemas técnicos e tenha anunciado empenho para corrigir as falhas, a agitação da bandeira é sempre importante para o PT e seus aliados dentro da estratégia de massificar em definitivo a imagem de Lula na região. Embora continue preso e não haja certeza sobre suas condições de elegibilidade a curto prazo, o ex-presidente é um trunfo para as oposições e um incômodo para o governo, por mais que Lula esteja sendo cumulado de algumas regalias especiais que o diferenciam dos presos comuns, com os quais não se mistura.
A presença do ex-candidato Fernando Haddad nesses eventos, que alcançaram outros Estados, denota o investimento maciço que a cúpula do PT, orientada por Lula, faz na figura do ex-ministro da Educação com vistas a embates futuros. Até prova em contrário, Haddad é a alternativa a Lula na disputa pela presidência da República que vai se ferir em 2022. Se porventura, numa guinada de 360 graus, o ex-presidente obtiver alvará de elegibilidade para 2022, evidentemente ele será o cabeça de chapa na luta pela sucessão de Jair Bolsonaro, tendo Haddad como companheiro de chapa. Em caso negativo, Haddad está sacramentado com antecedência para a vaga, tendo como vice já não mais Manuela D’Avilla mas um integrante de outro partido que possa contribuir para dar musculatura à chapa.
Ao pegar carona na transposição das águas do rio São Francisco, um sonho acalentado pelos nordestinos desde o Império e que foi indiscutivelmente tornado realidade na Era Lula, o Partido dos Trabalhadores busca recriar as caravanas que Lula empreendeu para se tornar massificado por regiões do território nacional, em condições de assumir o papel de candidato a presidente. Lula, como se sabe, foi o condutor das “caravanas da Cidadania”, assim denominadas porque a pauta da redemocratização já estava sendo atendida com a volta das diretas-já e da anistia a exilados políticos. A “Cidadania” foi um achado para forrar as pré-campanhas do PT porque simboliza apropriação de direitos sonegados ao cidadão comum. E a defesa desse breviário aproxima o PT, por osmose, das camadas marginalizadas da sociedade.
O “S.O.S. Transposição” constitui, na verdade, uma campanha eleitoral fora de época – uma Micaroa ou Micareta da política nacional, já que a eleição presidencial está distante no calendário (a mais próxima, na rotatividade dos pleitos, é a eleição de prefeito). Os petistas e aliados maquiam os eventos para não desafiarem diretamente os brios da Justiça Eleitoral, pelo menos enquanto partidos adversários do PT, mesmo no campo da oposição a Bolsonaro, não se alertarem para acionar o TSE e coibir essas manifestações pré-eleitoreiras. O tom dos discursos de oradores escalados para eventos como o do fim de semana no cariri paraibano é indiscutivelmente palanqueiro, focado na doutrinação eleitoreira, ou seja, na perspectiva de catequese dos potenciais eleitores petistas na eleição presidencial de 2022. Os outros partidos não tiveram essa ideia porque são organizações burocratas e pouco afeitas ao convívio com o povo. Mas o PT é uma organização profissional, que busca aproveitar, inclusive, as dificuldades colocadas no caminho de caixa dois e do financiamento público de campanhas eleitorais para fazer mobilização antecipada, com o mínimo de custos mas com um raio abrangente de impacto. A causa da transposição é nobre e atos de rua sempre servem para advertir governos das suas obrigações. A diferença é que o PT junta o útil ao agradável, e busca tirar proveito (em termos de votos) de manifestações aparentemente cívicas, como a de ontem. É uma malandragem que os outros partidos e a Justiça ainda não perceberam claramente!
Fonte: Nonato Guedes
Créditos: Nonato Guedes