Eu começo evocando Caetano para ilustrar esse triste comentário sobre o flagelo do preconceito e da discriminação do homem pelo próprio homem!
“…Para ver do alto a fila de soldados, quase todos pretos dando porrada na nuca de malandros pretos, de ladrões mulatos e outros quase brancos, tratados como pretos só para mostrar aos outros quase pretos (e são quase todos pretos) e aos quase brancos pobres como pretos, como é que pretos, pobres e mulatos e quase brancos, quase pretos de tão pobres, são tratados…”
É claro que o ódio pelas minorias vem se verificando como o grande mal que consome uma parcela velada da população e destrói a humanidade a cada dia que passa. Se o racismo consegue se manter latente nas vísceras do chamado “cidadão de bem” (e isso já dura mais de quatrocentos anos), talvez essa constatação só venha provar, cada vez mais, que essa humanidade já nasce com um sério defeito de fabricação. Não se concebe uma pessoa que respira e sangra como qualquer outra, possa de repente, sentir-se superior ao seu semelhante simplesmente porque a cor da pele lhe parece diferente! Afinal, brancos e pretos, vivem e morrem como todos os demais seres que vivem e morrem sobre essa terra e se decompõem igualmente (independentemente da cor) para provar que essa diferença, de fato, jamais existiu ou existirá!
Mas talvez, quem sabe, ainda exista uma saída para a humanidade? A revolta e a indignação das pessoas (e são milhares) negras, brancas, jovens e até mesmo mais velhas, em Minneapolis, se espalhando por todos os EUA e transbordando pelo mundo, expõe toda a revolta e, dessa forma, traz uma resposta crua e doída para um ato tão brutal e desumano que, infelizmente ainda acontece em nossos quintais nos dias de hoje, escancarando que as maldades descriminações podem até serem freados de vez em quando, pela reação explosiva de quem não concorda com as injustiças, mas infelizmente essas ações vergonhosas que turvam a nossa existência apenas parecem fazer um ligeiro recuo para em seguida estourar em algum ponto, em algum outro lugar, como se fosse um tumor maligno que teima em não querer ser curado! Enquanto não se aplaca a dor do descaso, “em Washington, milhares de pessoas desobedecem ao toque de recolher decretado e voltam a ocupar as ruas em mais um ato antirracista”.
Leis mais duras, mais severas para punir esses criminosos racistas podem até trazer algum alento para quem não aceita essa barbárie – forem criadas e postas de uma vez por todas em prática – e, principalmente, para as próprias pessoas que sofrem com o preconceito e a discriminação. Quando a coisa já parece tão óbvia, tão escrachadas que já há como esconder, autoridades até se solidarizam com as pessoas que protestam, que se revoltam e clamam por justiça, mas param por aí, (na solidariedade). Quando se veem mais pressionadas, essas mesmas autoridades até criam uma lei para amainar os ânimos! Geralmente acabam funcionando como mero cala a boca e não atendem aos anseios da população. Isso, sem contar que, a distância entre criar-se a lei e fazê-la ser cumprida é enorme! O resultado é que quando a poeira abaixa, tudo volta ao “velho normal”.
Assim, repetindo os fatos e os resultados das histórias vergonhosas de crimes praticados contra a humanidade, o policial branco Derek Chauvin, de 44 anos que assassinou George Floyd por asfixia sob o olhar conivente de outros três colegas brancos de farda, foi preso e deverá responder apenas por crime culposo – quando não há intensão de matar – e sairá impune desse crime brutal, rindo da sociedade e das leis! E daí, não é mesmo? Derek, no dia 25 de maio foi flagrado em filmagens asfixiando Floyd durante mais de 8 minutos com o joelho sobre o seu pescoço.
A verdade é que, o episódio de um branco matando um negro em plena luz do dia e diante de todos, servirá apenas para robustecer a coleção de glórias de um fanfarrão que poderá levar a cabeça de mais um negro para a sua sala de troféus. Sem dúvidas, é o que ocorre em cada nova tragédia, crimes que costumam ser praticados sempre viajando numa via de mão única, onde sempre será fácil de se ver um homem branco sentindo-se acima de tudo e de todos, discriminando, torturando e assassinando semelhantes apenas por serem negros, pobres, gays ou qualquer um que lhes pareça mais fraco por sua condição ou posição inferior no mundo. “Eu não consigo respirar”!
E quando a gente pensa que a coisa não pode piorar e para provar o quanto esse mundo está louco, aqui no Brasil, eis que o Presidente da Fundação Cultural Palmares, um negro, Sérgio Camargo afirmou que o movimento negro é uma “escória maldita”, composto por “vagabundos”. Ele ainda chamou o líder negro Zumbi dos Palmares de “filho da puta que escravizava pretos”, atacou as religiões africanas, referindo-se a uma mãe de santo como “macumbeira” e prometeu como “meta” para o órgão que dirige a demissão de um “esquerdista”.
Após a morte de Floyd uma onda de manifestações enérgicas surgiu e já está se espalhando por todo o mundo, com atos em diversas cidades dos Estados Unidos e até mesmo na Inglaterra pedindo o fim da violência e racismo policial contra as pessoas negras. “Luther King III, filho do ativista negro Martin Luther King Jr. disse que “a revolta é a linguagem dos não ouvidos”. Ele também afirmou que “não pode haver paz sem justiça” e pediu “justiça para George Floyd”, dizendo que ele “foi assassinado”.
Mas o que nos mantém firmes e acreditando que um dia esse estado de coisa possa mudar é, ainda, a capacidade que o cidadão tem de se indignar e de dizer que apesar do grande mal que conseguem causar a todos nós, os criminosos supremacistas, por enquanto e felizmente, ainda são uma fétida minoria…
Fonte: Polêmica Paraíba
Créditos: Francisco Airton