A expressão “morde e assopra”, segundo pesquisadores, tem origem na observação de como os morcegos agem quando atacam suas vítimas para sugar seu sangue sem que elas percebam. Eles têm uma saliva anestésica que permite aliviar a dor da ferida causada após soprá-la. Essa tática tem sido usada por alguns políticos contemporâneos. Dizem ou fazem algo num dia, e, no outro, ao perceberem a repercussão negativa de sua atitude, tentam minimizar os efeitos ruins do seu procedimento da véspera.
Quando a gente vê um político fazendo o jogo do “morde e assopra” no seu comportamento cotidiano, ficamos na dúvida se ele adota essa postura por estratégia para conseguir o que quer, ou se na verdade ele sequer sabe o que quer e o que diz. A dubiedade que caracteriza a sua forma de lidar com as situações que lhe compete emitir opinião ou adotar ações proativas, induz a opinião pública a perceber a sua incoerência recorrente.
Alguns, por uma carência de aplausos, se comportam ao sabor das emoções eventuais, de forma a satisfazer grupos que os elegeram para cumprir missões, muitas das vezes insensatas e até impossíveis. Por isso, no primeiro momento fala aquilo que seus admiradores gostariam de ouvir. Todavia, pouco depois, ao descobrirem que cometeram um ato falho, se apressam em desdizer o discurso antes pronunciado. Atacam, “mordem”, por impulsos circunstanciais, mas rapidamente negam o que açodadamente falou no ontem.
Esse comentário tem a ver com as ocorrências políticas do domingo passado. O presidente, ao tomar conhecimento de que uma pequena aglomeração de manifestantes se localizava em frente ao quartel general do exército em Brasília, decidiu ir ao encontro dos seus seguidores. Ali chegando, estimulado pela demonstração de apoio dos fanáticos militantes da ultradireita brasileira, não avaliou as consequências do seu ato, subiu em um veículo e proferiu o discurso que os ativistas desejavam escutar. Entre os manifestantes eram visualizados faixas e cartazes antidemocráticos que pregavam o fechamento do Congresso e o STF, além da reedição do AI5.
Um chefe de nação responsável jamais teria entrado nesse jogo. Ele fez exatamente o contrário do que recomenda o bom senso que deve prevalecer no comportamento de um presidente da república. Incitou os aglomerados e, por conseguinte, seus admiradores do resto do país à desobediência civil, não só às recomendações médico-científicas para o enfrentamento da crise sanitária provocada pela pandemia do coronavírus, como também às práticas democráticas que a nossa Constituição preceitua.
“Mordeu” ontem para hoje tentar “assoprar”, ao considerar o grave desatino protagonizado publicamente. Já não se revela qualquer surpresa o seu procedimento. Faz parte da sua personalidade ambígua. A pergunta que não quer calar é até quando as instituições democráticas vão admitir passivamente esse estilo de governar o país, ultrapassando todos os limites de comedimento e compostura exigidos pelo cargo que exerce.
Fonte: Rui Leitão
Créditos: Rui Leitão