A tese do impeachment do presidente Jair Bolsonaro, que está há apenas sete meses à frente do cargo, passou a ganhar corpo em setores da sociedade, mesmo junto àqueles que não votaram no candidato do PT nas eleições de 2018, Fernando Haddad, o que exclui a hipótese de uma mera orquestração de perdedores em busca de revanchismo por inconformação com o resultado adverso experimentado nas urnas. O pretexto que dá substância à teoria do impeachment não tem ligação direta com a disputa eleitoral propriamente dita, mas com atos praticados por Bolsonaro no exercício do poder que passou a empalmar em janeiro e que configurariam crimes de responsabilidade, corporificando a falta de condições legais para que o capitão reformado do Exército se mantenha incólume no poder, sem importunação ou admoestação de qualquer natureza. De volta do recesso, a oposição tem reunião marcada para terça-feira, dia 06, e especula-se que a palavra “impeachment” deva aparecer na conversa, havendo dúvidas sobre se a articulação para tanto vai prosperar na área política. Ocorre que políticos se acostumaram a vir a reboque da voz rouca das ruas. Daí…
O ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, em declarações feitas nas últimas horas, apontou incongruências cometidas pelo presidente da República que batem de frente com o texto da Constituição Federal vigente e alertou que ninguém está acima da Lei ou do texto maior. Não há um caso específico mencionado para incriminar Bolsonaro – há um conjunto de casos tipificados como infrações, com invasão de competências na hierarquia de poder, a partir da decisão avocada por ele de legislar sobre assuntos que vão de acordos econômicos internacionais a ingerência em questões ambientais, ferindo princípios normativos a cujo cumprimento está sujeito sob pena de ser defenestrado. Bolsonaro tem tomado medidas mais apropriadas a um ditador, como se ignorasse que o País está sob vigência do estado democrático de direito, em que há freios e contrapesos que devem ser levados em conta pelos que estão no topo da esfera decisória.
Em outra frente, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), que governou o País por oito anos e que é um profundo estudioso das relações internacionais e de complexas questões associadas à soberania do Brasil, advertiu quanto ao perigo de extrapolamento de concessões do governo Bolsonaro ao governo dos Estados Unidos em matéria como a celebração de um acordo de livre comércio, pelo qual o nosso território purgaria estágio de subordinação a interesses externos alheios à autonomia que deve ter no concerto das Nações. O presidente Bolsonaro estaria sendo induzido a tanto em virtude da sua notória convicção quanto ao alinhamento automático e incondicional com os Estados Unidos, o que constitui processo temerário de rendição à tutela de outrem, jogando-se no lixo a Carta que consagra o ditame da autodeterminação dos povos e o regime da parceria, do compartilhamento e da reciprocidade em graves temas do universo da relação internacional.
Não estará equivocado quem vincular essa tendência bolsonarista à submissão aos EUA a um interesse estritamente pessoal, qual seja o do atual presidente da República do Brasil de emplacar a nomeação de um filho, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, no posto de embaixador brasileiro em Washington, para o que já contaria com o “agrément” antecipado do presidente Donald Trump, por sua vez assaz interessado em projetos expansionistas prevendo a “anexação” informal de outros países apretensões individualistas, dentro do conceito de hegemonia no pacote globalizante que norteia as estratégias das chamadas grandes potências. Essa subordinação que Bolsonaro estimula configura crime de lesa-Pátria, punível com o afastamento de governantes envolvidos, para que se restaure a soberania nacional. É regra curial, elementar, inerente à natureza jurídica de todos os países e a cujo conhecimento um presidente da República brasileira não pode ficar infenso, muito menos desrespeitar.
Infelizmente, vai se cristalizando um conjunto de fatores gerados exclusivamente pelo estilo do presidente Jair Bolsonaro cujo corolário desemboca inevitavelmente na urgência do exame do impeachment como remédio constitucional previsto no estado democrático, a fim de que se possa prevenir o pior. A conjuntura de gravidade que começa a ser denunciada por autoridades e representantes credenciados de organizações e entidades representativas da sociedade civil é reforçada por declarações preconceituosas, racistas e infames do presidente Jair Bolsonaro produzidas contra figuras que detêm mandato de representação, sendo exemplos notórios os seus ataques pessoais a governadores do Nordeste, seguidos de ameaças de retaliação a Estados governados por opositores, bem como as injúrias assacadas contra o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil tendo como pano de fundo a figura do pai do dirigente daquela instituição, num flagrante desrespeito e falta de lhaneza no trato das relações humanas a que um presidente da República, mais do que qualquer cidadão comum, deve estar sujeito. O impeachment não é corpo estranho ao universo jurídico-social brasileiro – já foi usado para destronar Fernando Collor e para defenestrar Dilma Rousseff. Bolsonaro está dando, de bandeja, pretextos para merecê-lo. É o que salta aos olhos de todos, inclusive, dos que se dizem seus aliados.
Fonte: Os Guedes
Créditos: Os Guedes