“Com quem você pensa que está falando”? Será mesmo que a elite nacionalista acredita na existência de dois Brasis? O Brasil dos ricos – onde as leis criadas parecem não serem feitas, também, para eles? E o Brasil dos demais – onde a lei tem a potência de uma bigorna e pode punir severamente quem ousar desrespeita-la? Se eu não acredito nessa divisão, não significa que nababos não acreditem! A prova é tanta que, vez por outra aparece alguém daquele outro Brasil, pronto para pisar no pescoço de algum terceiro-mundista que tenha a audácia de cruzar o seu caminho! Mas em outras palavras eu prefiro chamar a isto de Carteirada, algo que já se tornou rotineiro no Brasil, quando alguém se considera autoridade suprema pelo cargo ou função que ocupa e que o coloca numa posição – para a criatura – acima de qualquer outra na hierarquia! Para quem não sabe Carteirada é uma situação em que se busca vantagem ou privilégio em razão de seu cargo, profissão, condição financeira ou social.
Coisa bastante comum, mas que chega a causar desconforto para quem tem a consciência de que determinada função de destaque não faz o cidadão diferente dos demais! Ele apenas está! Quando se trata de uma questão de formação e que a condição é de certa forma vitalícia, há de entender o indivíduo que ele está ali, também, de passagem. Vai se aposentar, pode sofrer um mal súbito e, por tanto, uma função ou cargo “infinito enquanto dure”! Por tanto, ninguém poderá se sentir superior a quem quer seja!
O fato que tomou conta das redes sociais de todo mundo e logo em seguida de toda a imprensa (ou não necessariamente nessa ordem), acabou chamando a atenção para uma coisa que já se tornou rotineira no Brasil: o cidadão rico e poderoso que se acha no direito de humilhar outro a quem considera inferior na sua condição! As vezes nem precisa ser rico, como foi o caso do casal de engenheiro civil que destratou um servidor público em outro momento lá atrás e já aqui motivo de comentário anterior. Os dois casos, coincidentemente por se tentar fazer cumprir decretos que tratam das tentativas de combate ao coronavírus – o uso de máscara em via pública! É bom deixar claro que o objetivo nos dois casos é o mesmo: cuidar da vida do cidadão, independente da sua situação social.
O homenzinho rechonchudo de camiseta branca e bermuda azul precisava com urgência causar (mesmo de forma negativa), para que o Brasil e o mundo tomassem conhecimento da sua existência! Só algo assim para justificar a atitude de um desembargador de São Paulo tratar (ou destratar) outro agente público quando apenas cumpria a sua obrigação! Rico e talvez entediado com a vida de luxo e solidão que leva, o tal desembargador não mediu palavras quando fez questão de mostrar a enorme distância existente entre a sua pessoa e o guarda a sua frente que teve a audácia de chamar a sua ilustre atenção para que usasse a máscara como qualquer outro cidadão – ops! Queira desculpar, pois chamar essas autoridades (juízes, ou que tenha passado por uma universidade, etc.) de cidadão deve soar verdadeira ofensa! Então aqui, desde já, as minhas desculpas! Algumas autoridades não aceitam que agentes públicos no pleno exercício das suas funções lhes solicitem que simplesmente cumpram a lei como qualquer outra pessoa nesse país!
Pedir que o senhor que caminhava pela cidade sem a máscara como o decreto determinava, foi a gota d’água para que o desembargador distribuísse um rosário de humilhações ao guarda a sua frente. Apesar de não justificar tal atitude, fosse o caso de o desembargador ter sido surpreendido e alcançado pela lei, poderia até entender o que se chama de “calor da emoção”. Mas, nada disso. O poderoso homem se apequenou bem mais, pois essa não era a primeira vez que humilhava um guarda em pleno exercício das suas funções! Em outro flagrante o doutor fez questão de mostrar ao agente a sua frente que falava francês e era professor em uma instituição importante e que – se preciso fosse – usaria da sua influência para atropelar qualquer lei que tentasse atravessar o seu caminho! No segundo flagrante usou do mesmo argumento e ligou para um dos seus mais poderosos contatos – o Secretário de Segurança – ao mesmo tempo em que destilava todo o seu ódio no guarda que o ameaçava com uma multa como determinava a lei!
Deve haver um motivo mais forte para levar alguém com tanta importância a passar ridículo diante de um país já passado de vergonha por tamanha estupidez! Vergonha por saber que cada vez mais cresce entre seus moradores, criaturas tão insuportáveis de se conviver, que se acham a cima de tudo e de todos como “bois de ouro”, completamente intocáveis!
Em um vídeo, que percorreu o mundo, via internet, o desembargador Eduardo Almeida Rocha de Siqueira, aparece ligando para o Secretário de Segurança Pública, Sérgio Del Bel, rasgando e jogando no chão a multa aplicada pela Guarda Municipal de Santos por descumprimento do decreto – o uso de máscara é obrigatório em locais públicos. O secretário disse depois em entrevistas aos principais veículos de imprensa, não conhecer o homem que lhe ligou como se fosse amigo íntimo! Nunca, jamais na história desse país já o havia encontrado! E na suposta ligação com Del Bel, ele se apresenta como desembargador Eduardo Siqueira: “Estou aqui com um analfabeto de um PM seu. Só estou eu na faixa de praia que eu estou. Ele está aqui fazendo uma multa. Eu expliquei, eles não conseguem entender”, disse ele.
“Autor de um projeto que visa instituir a chamada “lei da carteirada”, o senador Romário (Podemos-RJ) condenou a atitude do desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), Eduardo Siqueira. O ex-jogador afirmou que Siqueira “deveria dar o exemplo” e que espera que os senadores aproveitem a repercussão do caso para dar celeridade à tramitação da matéria de sua autoria. A Lei está parada no Congresso desde 2015”!
Então, para que tanta exposição? Além disso, o desembargador insinuou que jogaria a autuação na cara do guarda! E praticamente o fez – rasgou! O guarda o autuou uma vez, ali mesmo pelo descumprimento e de novo por este haver rasgado a autuação! Em nota, o Tribunal de Justiça afirmou que determinou instauração de procedimento para apuração dos fatos, tendo requisitado a gravação original.
Quanto ao guarda, este – apesar de não haver demonstrado qualquer recuou diante dos insultos sofridos – disse não sair da sua mente as ofensas do desembargador! Cícero Hilário Roza Neto, de 36 anos, jamais precisou dizer a quem quer que seja que é pós-graduado, apenas para impor respeito. Ele é graduado em segurança pública e fez pós-graduação na área de direito educacional. Cícero disse à Folha “Fui chamado de analfabeto. E ouvi isso de uma pessoa muito instruída”. O guarda civil defende que o desembargador seja punido no rigor da lei. Mas não é assim mesmo? Ninguém está acima da lei! Pelo menos é assim que deveria ser!
“Dos males o menor”! Ao protagonizar algo tão hediondo, o desembargador arrogante acabou desencadeando repulsa e reações as mais diversas em favor da dupla de guardas que apenas cumpria o seu dever. Como resultado, os agentes em questão, foram homenageados, elogiados e premiados pela a atitude diante da arrogância. No tocante ao desembargador e morador daquele outro país, coube se submeter ao linchamento social e ao escarnio de uma população que já não suporta mais tanta discriminação.
Diante dos fatos, a Associação dos Juízes Federais do Brasil –Ajufe, divulgou nota nesta segunda-feira, 20, afirmando que “não podem ser aceitas, de qualquer pessoa, sobretudo de integrantes do Poder Judiciário, condutas que contrariem norma legal e tampouco atitudes abusivas que afrontem agentes públicos e que não existem autoridades imunes a aplicação da lei ou inatingíveis por seus reflexos punitivos”! Com esses resultados acaba surgindo no fim do túnel, uma esperança de que algo está mudando. Chega de diferenças! A verdade é que com o crescimento da internet e pela convivência cada vez mais comum das pessoas com essas redes sociais, tem proporcionado ao cidadão do mais esclarecido, aquele mais humilde, a capacidade de entender mais e opinar sobre esse ou aquele tema! E cada vez mais com a arma do conhecimento, o cidadão tem a capacidade de não aceitar determinados comportamentos. E, em assim sendo, menos mal!
Fonte: Polêmica Paraíba
Créditos: Francisco Airton