O Governo foi avisado pelo MPF, dos riscos, e mesmo assim desdenhou do incêndio que sofreria, em seguida, a nossa Cinemateca, responsável por guardar as obras brasileiras criadas desde 1897 por meio do acervo da Filmografia Brasileira.
Pobre Cinemateca Brasileira. Como se não bastassem as dificuldades para o seu nascimento, a falta de incentivos governamentais e empresariais, – isso sem contar com alguns outros descasos que devo discorrer ao longo desse texto, – o nosso patrimônio audiovisual acabou sendo vitimado por mais um incêndio que teima em impedir a preservação da nossa memória cinematográfica desde que demos os primeiros passos nessa área. Ainda em 1896 foram exibidos no Rio de Janeiro uma série de filmes curtos retratando o cotidiano nas cidades europeias. Cinquenta anos se seguiram, até alguém resolver criar um órgão que pudesse guardar e valorizar a arte cinematográfica brasileira.
Vítima de um quinto incêndio registrado nesta quinta-feira, 29, a instituição luta a mais de 74 anos no intuito de preservar a nossa memória cinematográfica. Ao que se informa, o incêndio teve início por volta das seis e meia da tarde, tendo se iniciado pelo teto. E não foi por falta de aviso. Há três meses, os profissionais pediam através de um Manifesto, por uma ação emergencial do governo para preservar o acervo e manter o funcionamento do espaço. A possibilidade do incêndio ocorrido nesta quinta no galpão da Cinemateca Brasileira foi apontada no comunicado divulgado por servidores no dia 12 de abril.
Em um trecho em destaque no Manifesto, e que está estampado nos jornais do país e nas principais páginas da internet, “A possibilidade de autocombustão das películas em nitrato de celulose, e o consequente risco de incêndio frequentemente recebem atenção da mídia e do público. A instituição enfrentou quatro incêndios em seus 74 anos, sendo o último em 2016, com a destruição de cerca de 500 obras. O risco de um novo incêndio é real”. Localizada na Vila Leopoldina, zona oeste de São Paulo, a unidade da Cinemateca Brasileira teve o galpão de arquivo, – uma área de cerca de mil metros quadrados, – comprometido. Na verdade, o acompanhamento técnico contínuo – prossegue a nota – teria sido a principal forma de prevenção”. Portanto, uma irresponsabilidade federal!
Quem não lembra da atitude do Governo Federal, já em 2020, quando através de representantes do Ministério do Turismo, tomaram as chaves das mãos da entidade gestora da Cinemateca Brasileira no mês de agosto mantendo-a fechada até o presente momento sem contar sequer com funcionários para os cuidados devidos? Todos foram demitidos na oportunidade. Não me surpreenderia se esse governo, com todo o sangue frio que lhe é peculiar – após a informação do CB de que não houve feridos – venha afirmar que fez um grande bem a esses funcionários ao realizar as demissões.
Na história do nascimento do cinema, a importância do audiovisual para qualquer país é inegável. E por assim pensar, em 1940, um grupo formado por Paulo Emílio Sales Gomes, Décio de Almeida Prado, Antônio Candido de Mello e Souza e outros nomes fundaram o Primeiro Clube de Cinema de São Paulo, no intuito de “estudar o cinema como arte independente”, conforme o próprio site oficial conta. A atividade da Cinemateca é realizada desde o ano de 1950. O grupo realizava as tarefas por meio de conferências, projeções, debates e publicações. No entanto, conforme nos relata a história, o Primeiro Clube só durou um ano e foi fechado pelos órgãos de repressão do Estado Novo. Mas entre um incêndio e outro a Cinemateca sempre retornou. Como a Fênix!
A instituição desenvolve, desde 1940, atividades em torno da divulgação e da restauração de seu acervo de cerca de 250 mil rolos de filmes e mais de um milhão de documentos relacionados ao cinema. No entanto, ao perder, a cada acidente, volumes tão significativos de arquivos, fica bastante difícil se manter o acervo. Como os governos ao longo de toda a história não dá a importância necessária a isso? Não precisam me responder.
É a nossa memória que vem sendo destruída pela irresponsabilidade, pelo descaso ou até mesmo pela vontade doentia de se manter uma população afogada na mais completa ignorância. É bem sabido que um povo ignorante é bem mais fácil de ser levado a cometer os piores e “inocentes” desatinos como o que vivemos atualmente.
Não é à toa que comento aqui sobre as inúmeras tentativas de destruição da cultura brasileira no seu mais amplo sentido. Sendo, por tanto o mercado cinematográfico brasileiro, um dos mais afetados. Em 1989 o Brasil elegia democraticamente o seu primeiro presidente da República, logo após o fim dos chamados “anos de chumbo” em que o país emergia de uma ditadura militar – Não foram Tancredo Neves e nem José Sarney os primeiros a serem escolhidos pela forma livre do voto – e eleito em 1989, Fernando Collor de Melo, logo no ano de 1990, em uma das primeiras ações resolveu acabar com Embrafilme – Empresa Brasileira de Filmes S.A, através da Lei nº 8.029 no seu Art. 4º, em que autorizava o Poder Executivo a dissolver ou privatizar diversas entidades.
Veio na esteira, o CONCINE – Conselho Nacional de Cinema, situação em que nos mostrava assim o Brasil vivendo um momento sombrio na história do cinema. Isso apenas para ilustrar os golpes que vem sofrendo, – repito, – a cultura brasileira em todos os aspectos. A prova é tanta, que em 2019, ao ser eleito, o Governo Bolsonaro achou melhor cortar de vez qualquer possibilidade de respiro cultural ao extinguir de vez o Ministério da Cultura nos presenteando com uma ineficaz Secretaria de Cultura.
Os incêndios registrados na Cinemateca Brasileira, pode até não ser uma ação direta desse governo, (pois a instituição vem sendo vítima dos sinistros já por cinco vezes ao longo desses setenta e quatro anos), mas a incapacidade governamental em evitar a destruição do nosso patrimônio cultural, da nossa memória, fica mais patente em suas ações deliberadas em não ter a menor vontade política em resolver o problema. Prova disso é que representantes da União, do MPF e do Audiovisual se reuniram em audiência na semana passada e procuradores alertaram para risco de incêndio, principalmente nos filmes de nitrato. A União respondia a processo por abandono da Cinemateca, mas acordo entre as partes deu mais 60 dias para a Secretaria Especial da Cultura dar continuidade nas ações de preservação do patrimônio.
Mas me permitam mais uma vez assegurar. Bolsonaro já provou – como ele próprio tem assegurado – estar c… para quem ou qualquer coisa! Na verdade, quando do incêndio que consumiu o Museu Nacional do Rio de Janeiro em 2018, quando ainda era o candidato a Presidência da República, não mentiu quanto a sua frieza e o seu descaso para com a Cultura do seu país. Ao ser questionado sobre propostas para a manutenção do nosso patrimônio histórico, simplesmente disse: ‘Já está feito, já pegou fogo, quer que faça o quê?’ Embora tenha “Messias” no nome, não tenho como ‘fazer milagre’.
E assim, esperar o que de um governo que é movido pela total ignorância?
Fonte: Francisco Airton
Créditos: Polêmica Paraíba