A população brasileira enfrenta uma situação caótica, um verdadeiro pandemônio, quanto à vacinação em massa contra a pandemia de Covid-19. É um cenário triste e desolador o que se verifica, com Estados suspendendo aplicação de doses apenas um mês após ter começado a imunização, e, sobretudo, com incertezas quanto a um calendário eficaz que beneficie os diferentes grupos sociais, principalmente os chamados grupos prioritários. Em meio à Babel de reclamações e desinformação em postos e unidades de saúde, acumulam-se denúncias de favorecimento a “privilegiados” que dão carteirada para obter o imunizante. Esses “privilegiados” são os mesmos que promovem aglomerações, não utilizam máscaras e levam a epidemia para dentro de casa, contaminando familiares que obedecem regras de isolamento social.
Qual a explicação para tamanha balbúrdia que repercute negativamente no exterior e coloca o nosso país em ranking vexatório, comparado a nações mais organizadas que avançaram tanto na conscientização sobre a gravidade da doença quanto na imunização maciça? Não há muito sobre o que teorizar. O Brasil paga caro, infelizmente, pela incompetência de gestão pública no combate a uma calamidade de proporções gigantescas. De certa forma, esse ambiente era previsível a partir da postura negacionista adotada pelo presidente da República, Jair Bolsonaro, que se mostrou incapaz de liderar a sociedade no enfrentamento à pandemia. Foi o negacionismo que fez com que inexistisse um Plano Nacional de Imunização; que ocasionou a falta de vacinas e que fez com que o país conseguisse vacinar apenas 5,5 milhões de pessoas com a primeira dose desde 17 de janeiro. Mais: essa incúria contribuiu para que só 0,1% da população tenha tomado a segunda dose. Vacinação contra o coronavírus, no Brasil, não é o caso de Saúde Pública, é caso de Polícia.
Pior: não há perspectiva de resposta exata sobre o andamento da vacinação. Especialistas que foram entrevistados pelo G1 listaram pelo menos sete pontos como pedras no caminho: 1) compra limitada de vacinas; 2) atraso na elaboração e divulgação do Plano Nacional de Imunização; 3) escassez de vacinas no mundo; 4) dificuldades na importação do IFA; 5) falta de clareza nas fases e grupos prioritários; 6) falta de apoio para pesquisa e produção 100% nacional e 7) demora no avanço e registro de novas vacinas. A imunização começou no Brasil utilizando a aposta do governo de São Paulo, chefiado por João Doria, do PSDB, na vacina chinesa CoronaVac. Em janeiro, o Ministério da Saúde entregou 10,7 milhões de doses da vacina aos Estados – era o único imunizante contra Covid-19 disponível no país até aquele momento, quantidade suficiente para imunizar apenas cerca de 5,3 milhões dos 77,2 milhões de pessoas que formam os grupos prioritários estabelecidos pelo PNI.
O levantamento do G1 ressalta que a pequena oferta de doses foi reflexo da demora do governo federal em firmar os contratos de aquisição com as farmacêuticas. Até dezembro, o Brasil havia fechado acordo apenas com a Universidade de Oxford/AstraZeneca. A confirmação da compra de doses da CoronaVac ocorreu somente em janeiro e a negociação da vacina tem sido objeto de disputa política desde outubro, quando o ministro da Saúde Eduardo Pazuello foi desautorizado pelo presidente Jair Bolsonaro e forçado a desistir de comprar 46 milhões de doses do imunizante. Considerando a previsão de 354 milhões de doses para este ano, o Brasil negociou 1,68 dose por habitante. O número está abaixo de países como o Canadá, Reino Unido, Chile, Estados Unidos ou Japão. Sem variedade nos contratos com farmacêuticas, a projeção é que o país receba até março mais 23,37 milhões de doses da CoronaVac, 2,6 milhão de doses do Consórcio Covax e 7,5 milhões de imunizantes da Universidade de Oxford/AstraZeneca. A quantidade não é suficiente para vacinar nem mesmo um quarto dos grupos considerados prioritários.
O Ministério da Saúde apresentou um primeiro plano de vacinação contra a Covid-19 em 11 de dezembro após partidos entrarem no Supremo Tribunal Federal com ações cobrando o governo. A primeira versão do Plano informava que mais de 51 milhões de pessoas seriam vacinadas em quatro fases ao longo do primeiro semestre de 2021. Contudo, o documento, considerado pouco específico pelos especialistas, não estipulava uma data para o início da vacinação. Mais de um mês depois, em 20 de janeiro, o Ministério da Saúde entregou um plano de vacinação atualizado, que ampliou o grupo prioritário para mais de 77 milhões de pessoas. Sobre a escassez de vacinas, não é só o Brasil que enfrentou problemas com farmacêuticas. Só que, em outros países, foi possível contornar dificuldades e avançar na imunização.
A epidemiologista Carla Domingues, ex-coordenadora do Programa Nacional de Imunização, disse ao G1 que o problema da vacinação no Brasil não está na demora da aplicação, mas na falta de doses. Para além disso tudo, ela acredita que a estratégia da campanha deveria ser outra e acusa o governo, exatamente, de falta de planejamento. “Nós temos poucas vacinas. Com pouca dose, você não pode ampliar para outro público-alvo. É preciso escolher o grupo do grupo para ser vacinado. A vacinação deveria ter sido concentrada em lugares com mais incidência da doença. Essa pulverização da vacina não foi adequada”, sustenta Carla Domingues, de forma enfática. A verdade é que o País perdeu o bonde da História em todas as etapas de proliferação da Covid – do enfrentamento para conter a expansão até a vacinação quando as doses começaram a ser aprovadas. Perante a História, o governo de Bolsonaro entrará de forma absolutamente negativa. Não foi à toa que ganhou o cognome de “genocida”.
Fonte: Nonato Guedes
Créditos: Polêmica Paraíba