Embora não tenha expressado em palavras o fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal (STF) nem a defesa de um novo AI-5, a participação do presidente Jair Bolsonaro em atos contra o isolamento social, no último fim de semana, em Brasília, radicalizou ainda mais o ambiente político do país. E não era para menos.
Qualquer manifestação deve ser encarada como legítima em uma democracia saudável, mas não cabe ao presidente da República discursar diante de cartazes que pedem uma intervenção militar contra Poderes legalmente constituidos e, diante de pedidos sabidamente inconstitucionais e ilegais, omitir-se; ainda mais em meio a uma grave crise econômica e de saúde pública. Mesmo que tenha repreendido um apoiador na frente do Palácio da Alvorada, no dia seguinte, quando este pediu o fechamento do STF, já era tarde.
O primeiro ponto que quero destacar aqui é: o presidente Jair Bolsonaro errou ao radicalizar o ambiente num momento de pandemia global, em que centenas de mortes são registradas diariamente no país e em que a economia nacional é duramente afetada pelas medidas de isolamento social: o problema é gigante e requer a postura firme de um estadista. Problemas políticos se enfrentam, também, na seara democrática, e não com episódios dos quais se podem fazer inferências obscuras.
Mas o cerne da questão levantada aqui é outra: o episódio do fim de semana me fez lembrar que este ambiente de radicalização, como muitos querem fazer crer, não surgiu agora e não foi criado pelo atual mandatário da nação, mas há muito tempo vem sendo alimentado pelo que chamo de democratas de ocasião, que durante anos radicalizaram a política, flertando com ditaduras, criminalizando as oposições e as opiniões, e que de uma hora para outra aparecem como exemplos de republicanidade. Senão, vejamos.
Não custa lembrar, pois a memória do brasileiro é curta: não faz muito tempo que um certo ex-presidente da República instituiu um balcão de negócios com o Congresso Nacional. Com propinas milionárias, cargos e muitas benesses estatais, desvirtuou o processo democrático no país. Isso fez com quê um mesmo partido ficasse no poder durante 13 anos: esses episódios ficaram conhecidos como mensalão e petrolão, respectivamente. Este último, desencadeou a Operação Lava-Jato e levou para a cadeia grandes empresários e alguns políticos mais graduados da nação. Os que apelam pela democracia, hoje, por favor, saibam que ela já cambaleia há alguns anos, enferma pelo vírus do totalitarismo disfarçado de “governo de coalizão”.
Continuemos: o mesmo ex-presidente que institucionalizaou a compra do Congresso Nacional, antes de ser preso por corrupção e lavagem de dinheiro ameaçou prender jornalistas que publicassem notícias a seu respeito. A notícia foi amplamente divulgada, mas por alguma razão, os democratas de ocasião não o censuraram. No máximo, um sorrisinho amarelo, afinal, o “democrata” não podia ser incomodado. Esta informação pode ser conferida aqui.
No início do seu mandato, este mesmo ex-presidente, ameaçou de expulsão do Brasil o jornalista Larry Rohter, correspondente do The New York Times no país, depois que o periodista publicou uma notícia sobre o gosto do mandatário da nação por cachaça. Confira aqui o depoimento do jornalista ao programa Roda Viva, sobre aquele episódio melancólico contra nossa imprensa. Era apenas o primeiro de muitos casos que viriam a se multiplicar, de ataques contra jornalistas e a meios de comunicação.
E a ideia de estatizar, pasmem, “a grande imprensa”, inclusive a Rede Globo? Existiu, e esteve no caderno de teses do 5º Congresso Nacional do Partido dos Trabalhadores, como ideia de uma das correntes da legenda. Você pode conferir o documento aqui, no site do partido. A tese não foi aprovada no fim daquele congresso, e o PT falou apenas em ‘democratizar’ a mídia, uma palavra mais romântica e ensaboada, que, ainda bem, não foi colocada em prática no final das contas.
E que tal falar sobre os apoios do governo brasileiro a ditadores como Chavez e Maduro na Venezuela e Fidel Castro em Cuba, com registros de prisões arbitrárias, mortes e perseguições? O que dizer do silêncio ensurdecedor do Brasil sobre as artrocidades contra os Direitos Humanos cometidos nestas nações? Os democratas devem ser contra a ditadura militar no Brasil, para que ela nunca mais ocorra, e também contra o financiamento de ditaduras externas, afinal, vidas humanas importam em qualquer lugar do mundo.
Democratas devem ser contra prisões sem motivo, devem se posicionar contra retroescavadeiras em movimentos grevistas ou contra tiros em parlamentares que defendem reforma da Previdência, como aconteceu com o vereador Fernando Holiday, em São Paulo, cujo gabinete foi atingido por um disparo. Democratas respeitam as diferenças e convivem com o contraditório. E não foi essa a filosofia pregada no Brasil nos últimos anos, quando a polarização foi incentivada de lado a lado. Quando criou-se a figura do “nós contra eles” e quando o país foi paulatinamente dividido em tribos através do ódio. Teve até facada em candidato à Presidência.
Muita gente ficou perplexa com um grupo de manifestantes pedindo uma intervenção militar na frente do Grupamento de Engenharia do Exército, em João Pessoa, no fim de semana. Eu também fiquei! A função do Exército é outra. Queremos mais democracia, mais voto, mais decisão popular através das urnas. Jamais a volta ao passado. Mas, eu presenciei algo bem pior que isso, há alguns anos: a volta à barbárie.
Durante as manifestações contra o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, a sede da TV Cabo Branco, onde eu atuava naquele contexto, foi por mais de uma vez cercada por manifestantes que vestiam vermelho e protestavam a favor da ex-presidente. Em uma das ocasiões, profissionais da imprensa ficaram impedidos de sair do prédio, até que chegou a polícia, e tivemos que sair escoltados por policiais da PM.
Pouco tempo depois, quando eu já não estava atuando lá, houve a prisão do ex-presidente Lula. Manifestantes fizeram uma das maiores covardias que eu já presenciei na profissão: depedraram a sede da emissora, picharam muros, quebraram vidros. Profissionais que cobriam o ato foram agredidos e assediados. Fizeram com a TV Cabo Branco o que gostariam de fazer com a democracia brasileira se tivessem sido eleitos por mais quatro anos: depreciá-la, anulá-la. Na época, eu denunciei, como todo democrata e pessoa de bom senso deveria fazê-lo. Infelizmente, houve quem ousasse utilizar uma conjunção adversativa, “mas”, para justificar tamanha atrocidade. Esses, me desculpem, são democratas de ocasião, que talvez hoje choram. Será que de verdade ou apenas, novamente, por ocasião? O massacre à imprensa não é de hoje. Os portões da liberdade já estavam corrompidos.
Trago todos estes exemplos para dizer que não chegamos aqui à toa. As pautas essenciais, que clamam no anseio popular, ficaram no meio do caminho. No lugar da saúde, da segurança e da educação, a corrupção, a burocracia, que teimam em ficar. E o obscurantismo sempre quer aparecer para solucionar o caos. Não podemos deixar. O ódio está aí de lado a lado e cabe aos democratas construírem os caminhos de consenso.
O país precisa de respostas, mas as respostas não podem ser dadas por manifestantes que querem o fim democracia nem muito menos pelos democratas de ocasião, que de democratas não têm absolutamente nada, e que só defendem a democracia quando muito lhes convém. Que os democratas verdadeiros despertem e libertem o futuro do Brasil das mãos do autoritarismo e da corrupção, sejam eles de quaisquer cores.
“Creio que, em qualquer época, eu teria amado a liberdade; mas, na época que em vivemos, sinto-me propenso a idolatrá-la” (Alexis de Tocqueville).
Fonte: Polêmica Paraíba
Créditos: Felipe Nunes