A cada dia que a proposta de criação do Tribunal de Contas dos Municípios (TCM) se insere no debate mais sério, fora do campo das paixões política, vão se revelando algumas incongruências de quase impossível solução.
É correto se criar mais um órgão de elevadas despesas neste momento de crise quando já existe outro cumprindo a função? Dividir o orçamento do TCE não significa enfraquecê-lo e criar um novo também enfraquecido? Isso não ajuda a corrupção?
Existem pelo menos mais uma dezena de perguntas no mesmo sentido, mas tem uma questão de fundo técnico ainda mais grave?
A Assembleia Legislativa tem legitimidade para instituir um órgão que vai ser cuidar de uma função que não é de sua alçada, como a de auxiliar as Câmaras Municipais na fiscalização das gestões municipais?
Explique-se: Pelo Constituição Federal, o Tribunal de Contas da União é um órgão independente e que dispõe, entre suas funções, auxiliar o Congresso na tarefa de exercer o controle externo do Executivo (governo federal).
Por isso, o Congresso ganhou o privilégio de, em sua composição, indicar seis dos seus nove integrantes. O governo indica efetivamente apenas um integrante. Os outros dois, apesar de constar da cota do Executivo, são, necessariamente, oriundos dos quadros da auditoria e do Ministério Público que atua junto ao órgão. O foco é a fiscalização da gestão federal.
Respeitando a obrigatoriedade de simetria, as constituições estaduais estabeleceram o mesmo modelo para a composição dos Tribunais de Contas dos Estados (TCEs), observando o limite de sete conselheiros fixado na Constituição Federal. A Assembleia indica quatro conselheiros e o governador um. Os outros dois representam a auditoria e o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas.
A questão que se impõe é a seguinte: sendo que o TCM terá como função de fiscalização das gestões municipais, sendo um órgão auxiliar das Câmaras Municipais, os deputados têm legitimidade para cria-lo e indicar sua composição? E os prefeitos, diretamente interessados, não terão o direito, como o presidente da República e o governador, de indicar pelo menos um dos conselheiros? Dá par imaginar, por exemplo, o Congresso Nacional criando os Tribunais de Contas dos Estados e indicando sua composição?
Essas questões sugerem, na verdade, é que a Constituição Federal não fez previsão de criação de Tribunais de Contas de Municípios, embora haja uma menção em seu art. 75. Mas pode ser que tratava apenas de enquadrar os já existentes.
Assim, não faz sentido, nem é legítimo, que a Assembleia e governo do Estado criem um órgão de fiscalização de unidades autônomas da federação, que são os municípios. Neste caso, haveria clara e indevida intromissão de poderes do Estado nos municípios.
Autor: Josival Pereira