Entre as lembranças que guardo da infância permanece a de um santeiro que, ali, na rua Treze de Maio, em frente à antiga Escola de Acordeon Mário Mascarenhas, da minha tia Ozires Botelho Viana (já, objeto dessas minhas memórias), vivia de restaurar santos feitos de gesso.
A casa dele era ainda de taipa rebocada e caiada, o que deixava as paredes cheias de volumes e ondulações. Havia outra, vizinha à dele, do mesmo material. Hoje, os terrenos dessas antigas casas fazem parte do espaço maior onde está construída a agência Cabo Branco, da Caixa Econômica Federal, esquina da Treze de Maio com a Miguel Couto, que também engoliu um posto de gasolina, o Cristina, ali existente.
Era uma casa de porta e janela, na verdade, um janelão, por onde o artífice recebia e entregava encomendas. Pela dita janela, com um largo parapeito, dava para ver dezenas de santos, em prateleiras, prontos ou ainda a serem consertados… ou esquecidos. Por serem mais baratos, porque mais simples de serem trabalhados, a partir de formas, os santos de gesso eram bem mais populares.
Tinham, contudo, um grande problema: quebravam facilmente. Qualquer quedinha era o suficiente para decepar a cabeça do santo, uma mão, um detalhe qualquer. E, então, um dos endereços para conserto era o do ateliê da Treze de Maio. Se o trabalho de produzir a imagem do santo podia ser feito em série, a partir da forma, o de restaurar era bem mais complicado, envolvendo uma habilidade artesanal capaz de emprestar à obra a mesma feição de antes.
Menino, gostava de ficar no janelão observando o trabalho, quando ia levar algum santo de casa para conserto. Na restauração da pintura, havia o cuidado com a mistura de tintas para que não restassem diferenças a formar manchas.
Dessa forma, a existência daquele artesão, já na velhice, da Treze de Maio em mim permanece, tendo em vista a importância que teve aos olhos e à mente daquele menino curioso, que era eu, o que me faz transformá-lo em mais um registro dentro deste exercício memorial, necessariamente sem previsão de fim, que venho produzindo.
Fonte: Sérgio Botelho
Créditos: Polêmica Paraíba