MARIELLE, MAIS UMA VEZ E SEMPRE
O assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ) ajudou a desnudar não apenas um Estado brasileiro à beira de uma falência estrutural, enquanto todos assistimos inertes suas instituições se esvaírem quanto mais a crise institucional avança.
A brutalidade contra Mariele também expôs para o mundo e para nós mesmos a natureza autoritária e violenta de setores da sociedade brasileira, e não apenas daqueles que a assassinaram, mas, também, dos que tentaram justificar tamanha brutalidade, fazendo isso pela via mais sórdida e desumana: a mentira e a calúnia contra uma vítima incapaz de se defender.
Para essas pessoas, dizer que alguém é de esquerda é como uma senha para que sua proverbial indigência intelectual transborde e se manifeste na forma do mais puro ódio.
Quasetodas as pessoas que espalharam mentiras contra Marielle, tenho certeza, souberam de sua existência no mesmo instante em que tomaram conhecimento de seu assassinato. E mesmo assim, não titubearam em caluniá-la, ampliando a reação em cadeia que propaga mentiras pelas redes sociais e ajuda a destruir reputações e, às vezes, vidas.
Marielle era de esquerda? Diante da resposta positiva, para essa pessoas isso basta para que tenha merecido morrer. Os detratores da vereadora do PSOL exprimem com isso uma doentia incapacidade de conviver com as diferenças, imaginando que seu mundo seria mais estável e menos conflituoso se essas diferenças não existissem.
Comemorar a eliminação física do outro expõe − inconsciente e, por vezes, conscientemente, − um alto grau da alienação humana, já que o filtro da ideologia impede que se reconheça que, por trás das ideias, há uma vida humana.
Isso é a realização acabada de uma cultura política fascista à brasileira, a fascistização de setores de classe média que reduz todos os inimigos a um só: a “esquerda”.
Emesmo que a polissemia, a variedade de significados do que seja ser de esquerda nos mostre que essa expressão pode dizer alguma coisa sobre a ideologia de alguém, mas está longe de dizer tudo e, muito menos, o principal. Essa imprecisão é também e mais uma vez fruto da ignorância não apenas política, que reduz todo mundo que é de esquerda − alguns nem sequer o são − em “petistas”.
É assim que qualquer um que afronte qualquer dos valores ou interesses circunstanciais dessa imbecilidade coletiva é logo taxado de “petista”. Quem quer que escreva ou declare algo em defesa dos direitos humanos é “petista”. Qualquer um que defenda a liberdade artística, também. O artista que se apresenta nu, idem. O professor que critica o Nazismo ou que ensina o que é a Teoria da Evolução é de esquerda. Caetano Veloso agora é petista. Marisa Monte. O neurologista Miguel Nicolelis. A lista é grande. O PT nunca teve tanta gente importante em seus quadros!
Ora, tem estudante universitário que acha que o PSDB é de “esquerda”, por aí vocês tiram! A própria Rede Globo, a porta-estandarte do pensamento conservador e do reacionarismo no Brasil, apenas porque exibe em suas novelas beijos gays, é acusada de ser de esquerda. Enfim, ser chamado de “esquerda” por essas pessoas é mais do que uma acusação, é um xingamento.
Um dos episódios mais patéticos da miséria intelectual dessa gente foram os ataques sofridos por Reinaldo Azevedo, um ícone da nova direita brasileira que gosta de exibir seus atributos intelectuais.
Detanto alimentar os lobos com carniça, Azevedo acabou sendo vítima de suas crias. Quando notou que o tucanato e seu sócio Michel Temer estavam para ser engolfados pela Lava Jato, Reinaldo Azevedo se lembrou que existia um “Estado de Direito” no Brasil − que nunca serviu para os “petralhas”, neologismo que ele se jacta de ter criado − e passou a atacar Sérgio Moro e Deltan Delagnol. A reação dos lobos esfomeados por mais ódio foi imediata. Entre tantos impropérios, Azevedo foi chamado de − vejam só! − “comunista”, a variante anacrônica do “esquerdista” do século XXI.
A esquerda é, para essa gente, a raiz de algo que parece ser uma degenerescência, um mal que corrompe o mundo e a sociedade. Falar em igualdade, em democracia, em povo causa calafrios.
Essa turma parece querer que o esquerdista brasileiro de hoje ocupe o papel mais ou menos que os judeus ocuparam na Alemanha nazista: de inimigo comum. E isso é uma conveniência histórica. Trata-se, nesse caso, de uma incapacidade de conviver com a democracia porque, em geral, essas pessoas jamais partilharam com o povo o sentimento de pertencimento que nos tornam uma Nação.
O ódio à esquerda e a Lula decorre disso: O Brasil, depois que todos eles imaginaram ter enterrado o varguismo definitivamente depois de FHC, lá veio Lula reanima-lo, rejuvenescê-lo, mostrar que, para além de uma elite econômica que se mantem renhidamente escravocrata e antinacional, existe uma sociedade civil, existe um povo que quer seu lugar no seu país e no mundo. E que o Brasil não é mais dividido entre uma Casa-Grande e uma imensa senzala.
Nós somos um povo, queiram ou não.
E o “ministro” Jungmann, hein!
O novo Ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, elegeu a Paraíba como alvo preferido dos seus ataques e insinuações. Primeiro, foi a declaração dada após uma reunião com o Senador Cássio Cunha Lima (PSDB):
“A tendência é que membros do Comando Vermelho migrem para outros estados, a Paraíba entre eles”, afirmou Raul Jungmann. O chutômetro interessado do ministro só tinha uma razão de ser: agradar seu aliado político porque nada pode indicar que o que ele disse faça sentido.
Dias antes da reunião com Jungmann em seu gabinete na Vice-Presidência do Senado, em discurso no plenário, Cássio insinuou a necessidade de que a intervenção adotada na segurança pública do Rio de Janeiro também pudesse ser estendida à Paraíba.
“No caso da Paraíba, discursou Cássio, no que diz respeito a homicídios, entre 2008 e 2016, registrou-se um crescimento de 39%. No Rio de Janeiro, se verificou um decréscimo de 8%”.
Logodepois, uma repórter da CBN desmoralizou esse discurso, afirmando que esse crescimento aconteceu durante a administração do próprio tucano, e que as estatísticas oficiais indicam que a violência, ao contrário de aumentar, como sugeriu o ex-governador, tem diminuído na Paraíba ao longo do atual governo.
Agora, essa nova declaração de Raul Jungmann de que a munição utilizada na execução da vereadora Marielle Franco era da PF e foi desviada dos Correios na Paraíba, em 2006.
Opresidente dos Correios, Guilherme Campos Júnior, disse em nota que desconhecia o fato e pediu a Jungmann informações sobre a ocorrência porque “não há nenhum registro de qualquer incidente dessa natureza.”
Tambémpudera: os Correios não aceitam esse tipo de postagem (imaginem transportar armas via postal, e mais armas de uso da Polícia Federal!)
Jungmann tem muito o que explicar depois de duas declarações desastradas que envolvem a segurança pública da Paraíba. Das duas, uma: ou o Ministro fala irresponsavelmente pelos cotovelos ou está em andamento um plano para justificar a intervenção na Paraíba.
Apoio para a segunda hipótese não lhe faltaria na oposição paraibana.
Fonte: Polêmica Paraíba
Créditos: Flávio Lúcio Vieira