Quando aceitou, em novembro de 2018, o convite do presidente eleito Jair Bolsonaro para assumir o ministério da Justiça e Segurança Pública, o então juiz Sérgio Fernando Moro, de 46 anos, cometeu, na definição da revista “Veja”, o movimento mais temerário de sua carreira – o equivalente a um salto triplo carpado. Afinal, decidira abandonar a Lava-Jato, operação que conduziu com brilhantismo a partir de Curitiba e que foi um marco no combate à corrupção no país, colocando na cadeia figurões como o ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva. Agora, em pleno fogo cruzado de insinuações sobre supostas interferências indevidas nos rumos da Lava-Jato, aparentemente prejudicando políticos como Lula, o ministro pede uma licença de apenas quatro dias para “trato de assuntos particulares”, a vigorar a partir do dia 15 próximo.
Entre interlocutores do presidente Bolsonaro, que tem dado sucessivas demonstrações de apoio e prestígio ao trabalho do ministro, diz-se que, embora curta, a licença pode contribuir para ajudar Moro, longe dos holofotes diários, a refletir melhor sobre os inconvenientes ou não de ter abandonado a Lava-Jato para entrar na política, terreno que jamais pisaria, conforme disse incontáveis vezes. Moro foi investido numa pasta turbinada com a presença da Polícia Federal, mas começou a perder batalhas quando não logrou, por exemplo, ter o controle sobre uma parte do Coaf, órgão que fiscaliza as transações financeiras no país. Foi chamado de superministro e apontado como grande avalista do governo Bolsonaro na política de combater a criminalidade, “uma chaga que se espraiou pelo país e foi uma das principais bandeiras da campanha de Bolsonaro”.
No início, os atributos de Moro – experiência, competência e capacidade de trabalho pareciam sugerir que ele estava perfeitamente apetrechado para ser um ministro da Justiça altamente eficaz. Conhecedor dos meandros da corrupção no mundo oficial e tendo tomado decisões jurídicas sobre assuntos ligados à criminalidade, tudo sinalizava para ter um perfil particularmente adaptado ao cargo. Em nota que divulgou após aceitar o convite, Moro disse: “A perspectiva de implementar uma forte agenda anticorrupção e anticrime organizado, com respeito à Constituição, às leis e aos direitos, levou-me a tomar esta decisão. Na prática, significa consolidar os avanços contra o crime e a corrupção dos últimos anos e afastar os riscos de retrocesso por um bem maior”. A maior reflexão de Moro, porém, diz respeito às acusações que lhe são feitas e que foram detonadas pelo site “The Intercept Brasil”, supostamente apontando quebra de imparcialidade da sua parte no exame de inúmeros casos que passaram pela Lava-Jato. O ministro foi à Câmara e ao Senado prestar esclarecimentos, insiste em que não cometeu nenhuma ilegalidade, mas o bombardeio foi reforçado por ministros do Supremo Tribunal Federal, que não gostam de Moro e muito menos da hipótese de tê-lo como colega de Corte – indicação que chegou a ser cogitada e até anunciada pelo presidente Bolsonaro.
Durante mais de quatro anos, Moro esteve à frente da Lava-Jato, e já nesse período recebeu acusações de tomar medidas excessivas e motivadas por razões políticas. O PT, o mais interessado em desmoralizar a Lava-Jato, puxou o cordão e ainda hoje sustenta claramente o ponto de vista da parcialidade do juiz nas acusações contra o ex-presidente Lula, que está preso na Polícia Federal de Curitiba. Mesmo com o interesse do PT na questão, era inegável que ao aderir a Bolsonaro Moro deu impulso às acusações de que, no fundo, tinha preferências e mesmo ambições políticas. Como observou “Veja”, nada disso comprometia o valor técnico de suas decisões jurídicas, mas pegava mal para um juiz. Na sua última edição, deste final de semana, “Veja” fez parceria com o “The Intercept” e, em matéria de capa, praticamente avalisou as denúncias formuladas contra Moro. Para outros observadores da cena, teria sido preferível, para Moro, que ele tivesse mantido um comportamento técnico e distanciamento do governo de Bolsonaro.
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, do PSDB, chegou a captar isso de imediato, quando afiançou: “Eu preferia vê-lo no Supremo Tribunal Federal”. A situação de Moro se agravou quando ganhou curso a tese de cogitação de proposta de uma enxurrada de recursos pedindo a anulação de suas decisões judiciais, sob a alegação de que teriam sido contaminadas por interesses particulares e eleitorais. De concreto, forma-se umazona de sombra em torno do futuro de Moro, sendo duvidoso afiançar que ele volta como ministro da Justiça. Mas não falta quem veja no afastamento de Moro uma estratégia para que ele possa ter a liberdade de coletar provas em sua defesa e voltar em alto estilo ao poder central. É uma aposta para ser conferida.
Fonte: Os Guedes
Créditos: Nonato Guedes