Não há dúvidas: o governo João Azevêdo começou efetivamente ontem, durante uma reunião do gestor com o secretariado, em que ele espantou dúvidas sobre sua autoridade, mostrou que não é marionete de ninguém e que é plenamente cioso do espaço que ocupa e que não lhe foi dado de mão beijada, mas arrancado nas urnas, a céu aberto, num mutirão a muitas mãos, algumas das quais se desgarraram no caminho porque erraram o cálculo e tentaram ser mais realistas que o rei. João sepultou a Era Ricardo Coutinho, que teimava em teleguiar seus passos. Imprimiu suas digitais para o que der e vier.
Houve uma nítida preocupação do governador de enquadrar, particularmente, secretários e auxiliares “recalcitrantes”, aproveitando o ‘gancho’ da infeliz investida do ex-deputado federal Luiz Couto, do PT, um jejuno em matéria de gestão e que se achou no direito de ensinar o governador a governar, recomendando, por exemplo, que ele não se misturasse com autoridades do governo Bolsonaro, de quem a Paraíba precisa, como, de resto, todos os Estados. A intervenção de Couto, recriminando Azevêdo por ter se reunido com um ministro do governo federal para encaminhar demandas da Paraíba, foi pueril e completamente extemporânea. Em todo o caso, tornou-se providencial para que o governador desnudasse o seu próprio estilo.
Até então, era consenso que João parecia tocar um governo “emprestado”, tanto porque a composição majoritária do secretariado é de remanescentes da Era Coutinho, como porque testava-se, a toda hora, a capacidade de autonomia dele no confronto, sobretudo, com fatos desagradáveis da rotina administrativa. Os aliados de Ricardo, membros da seita que invoca como mantra o culto à personalidade, subestimaram não só a inteligência do sucessor do líder socialista como o seu pulso em face de casos desgastantes da práxis administrativa. Houve um cisma político de verdade entre o governador que tem a caneta e o ex-governador que reinou por oito anos sem permitir interferências de quem quer que seja e ditando regras a todos e a todas, como parte da liturgia que impregnou ao poder. Não obstante, “ricardistas” continuaram infiltrados no governo, e o que é pior, pouco interessados em dar satisfações ao chefe de plantão. Numa alegoria que se encaixa à situação, davam bom dia a Azevêdo e recebiam ordens de Coutinho, ora por telefone, ora diretamente, ora através de emissários adrede escalados para repassar informações sobre como deveriam tocar a banda.
Além de constrangedor para a imagem de Azevêdo, um técnico sério e compenetrado das suas responsabilidades em dirigir os destinos do Estado, o comportamento dos “ricardistas” infiltrados vinha minando o poder de fogo de quem está na cadeira do Palácio da Redenção ou do Centro Administrativo. Criou-se um paralelismo do qual Ricardo se queixou em relação à vice-governadora Lígia Feliciano (PDT) mas achou normal que prosperasse com João, dentro da ótica enviesada de que “segue o projeto”. Claro que Azevêdo tem procurado, na medida do possível, dar continuidade à porção positiva que herdou da Era Coutinho. Mas descartou “in limine”, desde que foi investido e que a faixa lhe foi repassada, a banda pôdre da herança, refletida nos processos da Operação Calvário que atingiram o coração do “ricardismo”, mediante citações de ex-auxiliares e até a prisão de uma secretária, que chamada à colação, repassou informações como tática para sobreviver em meio ao vendaval que se espalhou pelo cenário estadual.
Havia a expectativa de que João assumisse a plenitude do governo há algum tempo, para não alimentar intrigas nem dar combustão a “recalcitrantes” que, ao que tudo indica, pagaram para ver. São estes que estão na berlinda, passíveis de exoneração a qualquer momento, tanto mais se não apresentarem resultados que o governo exige para fazer deslanchar o seu próprio projeto que, malgrado contemple a continuidade administrativa em alguns pontos, incorpora traços novos de elementos de comando que são intrínsecos à sua personalidade e ao seu estilo. Em última análise, vale repetir, os homens não fervem à mesma temperatura. A reunião de ontem serviu para que o governador João Azevêdo impingisse um freio de arrumação na desordem que se espraiava nas franjas do poder, fortalecida por atitudes descabidas de auxiliares. A presença ostensiva de Edvaldo Rosas, secretário de Governo, que foi destituído do comando do PSB por manobras de Ricardo, na mesa dos trabalhos cuja figura central era Azevêdo foi a grande imagem transmitida por vias oblíquas ao ex-governador sobre como quem manda, hoje, na estrutura administrativa do poder. Como de hábito, obedece quem tem juízo…
Fonte: Os Guedes
Créditos: Nonato Guedes