
Com a perspectiva de julgamento, esta semana, pelo Supremo Tribunal Federal, da denúncia oferecida contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) por alegada participação na tentativa de golpe de Estado no país, intensifica-se a “guerra de narrativas” entre esquerda e direita sobre o projeto de lei 2.858/2023, conhecido como “PL da Anistia”. A proposta, de autoria do deputado Major Vítor Hugo, do PL-GO, prevê a revogação das punições e crimes atribuídos aos envolvidos nos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023, mas a ministra-chefe da Secretaria de Relações Institucionais Gleisi Hoffmann, ex-presidente nacional do PT, considera que se trata de um “biombo” para, também, anistiar Bolsonaro e quebrar sua inelegibilidade para concorrer a cargos políticos. Nas últimas semanas, Bolsonaro tornou-se mais ativo e loquaz na defesa dos seus apoiadores que estão presos por participarem da depredação de sedes dos Três Poderes em Brasília, desafiando o STF a ser realmente “justo” com pessoas humildes. Gleisi advertiu que Bolsonaro será um dos beneficiários do PL da Anistia e reiterou seu posicionamento contrário, através das redes sociais.
Segundo Gleisi, “o texto determina a completa impunidade” para todos que participaram, financiaram ou incentivaram ataques contra a democracia desde a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o que “inclui Bolsonaro e seus cúmplices apontados na denúncia da Procuradoria-Geral da República, que começará a ser julgada”. A ministra ressaltou o artigo primeiro do projeto, que propõe anistia a manifestantes, caminhoneiros e empresários que atuaram nos protestos em rodovias e em frente a unidades militares. Além disso, o texto inclui a anistia para crimes políticos e conexos, sendo considerados, para efeito do artigo, os crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política. Gleisi refutou: “Além dos atentados de 8 de janeiro, acampamentos nos quartéis, bloqueios de estradas e a bomba no aeroporto de Brasília, o projeto permitiria o perdão de crimes como os decretos do golpe, a conspiração com chefes militares e até o plano de assassinato do presidente Lula, do vice-presidente Geraldo Alckmin e do ministro Alexandre de Moraes”.
De acordo com o líder do PL na Câmara dos Deputados, Sóstenes Cavalcante (RJ), mais seis partidos, além da sigla do ex-presidente Jair Bolsonaro, podem apoiar o projeto da anistia aos condenados do 8 de janeiro, sendo eles o PP, o União Brasil, o PSD, o Novo, o PSDB e o Podemos. A matéria terá que aguardar o retorno, do Japão, do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos), que viajou àquele país integrando comitiva liderada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Somente com a volta de Hugo Motta o requerimento de urgência do projeto poderá ter andamento. Juntos, os partidos citados por Sóstenes têm 276 deputados, mas, com exceção do PL, não são todos os integrantes dessas siglas que apoiam o projeto. O líder, porém, está confiante de que, quando for a plenário, o texto terá ao menos 308 votos no total, considerando o apoio de parlamentares filiados a outras legendas. Para ser aprovado, são necessários, pelo menos, 257 votos. O apoio do próprio Republicanos à matéria é uma incógnita, depois que o presidente da legenda, Marcos Pereira, disse à CNN que o assunto “contamina” o debate das eleições de 2026. Dentro da bancada do Republicanos, porém, há manifestações favoráveis.
No último sábado, o senador Alessandro Vieira (MDB-SE) apresentou um projeto de lei que visa a redução das penas para aqueles que cometeram atos menos graves durante os ataques de 8 de janeiro. Conforme o projeto, as penas mais severas seriam limitadas aos responsáveis pela organização e financiamento da tentativa de golpe de Estado. Vieira argumenta que as sentenças dadas pelo Supremo Tribunal Federal aos condenados são um abuso de poder. “As decisões lideradas pelo ministro Alexandre de Moraes se afastam do ideal de Justiça”, declarou o senador ao jornal “O Estado de São Paulo”. O projeto altera artigos do Código Penal de 1940, propondo que o crime de abolição violenta do estado democrático de direito seja absorvido pelo crime de golpe de Estado quando ambos os atos ocorrerem simultaneamente. A proposta sugere penas que oscilam de dois a seis e oito anos de reclusão, além da pena correspondente à violência, caso o crime tenha sido cometido sob a influência de uma multidão e sem envolvimento no planejamento ou financiamento do golpe.
O senador argumenta que um crime deve ser absorvido quando é necessário para a realização de outro. Desde que assumiu a presidência da Câmara dos Deputados, o paraibano Hugo Motta tem protelado a votação da matéria pelo seu caráter polêmico – e chegou a ser “patrulhado” por políticos bolsonaristas que o acusam de falhar em relação a compromissos supostamente assumidos para se eleger ao comando do Parlamento. Hugo Motta, ao mesmo tempo, tem dado declarações contrárias ao extremismo político vigente no país e defendido, em paralelo, uma agenda de retomada do crescimento econômico e da geração de empregos como prioridades maiores para a sociedade. Ele “cozinha” o quanto pode, em banho-Maria, uma definição a respeito. A novidade é que a extrema-direita e o próprio Bolsonaro amplificaram as pressões para uma decisão – sendo idêntico o sentimento na sociedade quanto à urgência de uma definição a respeito de tema tão controverso. O desfecho do PL da Anistia é tido como prova de fogo para o mandato de Hugo Motta na presidência da Câmara.