Opinião

“FUNERAL DE UM LAVRADOR” - Por Rui Leitão

Chico Buarque foi solicitado a compor a trilha musical da peça “Morte e vida Severina”, baseada nos poemas de João Cabral de Melo Neto, com montagem do TUCA (Teatro da Universidade Católica de São Paulo), em 1965. “Funeral de um lavrador” enfoca um dos temas recorrentes da época, a luta pela reforma agrária no Brasil.

Foto: Internet

Chico Buarque foi solicitado a compor a trilha musical da peça “Morte e vida Severina”, baseada nos poemas de João Cabral de Melo Neto, com montagem do TUCA (Teatro da Universidade Católica de São Paulo), em 1965. “Funeral de um lavrador” enfoca um dos temas recorrentes da época, a luta pela reforma agrária no Brasil.

“Esta cova em que estás com palmos medida/É a conta menor que tiraste em vida”. O poema de João Cabral tem o sentido de protesto marcado no funeral de um lavrador. A oportunidade em que o autor declara, com tristeza, a sina do homem pobre da zona árida do sertão nordestino, que só consegue o direito a um pedaço de terra quando morre. A cova é a extensão territorial que enfim passa a
lhe pertencer e que não tenha conseguido enquanto vivo.

“É de bom tamanho, nem largo, nem fundo/É a parte que te cabe deste latifúndio”. Os trabalhadores rurais, explorados pelos
latifundiários, pouco usufruíam do produto do seu trabalho. A distribuição de terra no Brasil sempre foi concentrada na posse de
uma minoria de proprietários. Daí a colocação de que o pedaço de chão que cabe ao agricultor, ora sepultado, é exatamente o tamanho do seu corpo. Afinal é a parte que lhe é reservada como patrimônio, embora na condição de morto.

“Não é cova grande, é cova medida/É a terra que querias ver dividida”. Quase como uma ironia, afirma que ali se realiza o desejo que motivou tanta luta, ver a terra dividida de forma justa e igualitária entre os homens. A cova tem a dimensão exata do que lhe possa ser apresentado como direito de posse. Nada que possa ser encarado como sobra, mas milimetricamente medida para acolher o seu corpo.

“É uma cova grande pra teu pouco defunto/Mas estarás mais ancho que estavas no mundo”. O autor tenta aí criar a imagem frágil do agricultor ora enterrado, um homem sofrido, com um corpo franzino, magro, constituído assim em razão das privações que sofreu em vida.

No entanto, naquela que passa a ser a sua propriedade, descansa em paz, não se submeterá mais às humilhações e dificuldades da sua
condição humana durante a vida.

“É uma cova grande pra teu defunto parco/Porém mais que no mundo te sentirás largo”. Continua explorando o biotipo do homem do campo, com compleição magra, pequena estatura. Todavia, novamente, nos leva à conclusão de que ali ele enfim se sentirá mais inteiro, mais completo. Deixa de ser um diferente porque no túmulo todos os humanos se tornam iguais.

“É uma cova grande, pra tua carne pouca/Mas a terra dada, não se abre a boca”. Na avaliação da sociedade capitalista, aquela cova até que pode ser considerada grande, para servir de sepultura para tão pouco conteúdo corporal. E não há do que reclamar, afinal de contas o que é dado não pode ser sequer questionado.

Do livro CANÇÕES QUE FALAM POR NÓS

Fonte: Rui Leitão
Créditos: Polêmica Paraíba