Se fosse vivo, dom José Maria Pires estaria completando 100 anos de idade, hoje. Nascido na cidadezinha de Córregos, Minas Gerais, dom José foi arcebispo metropolitano da Paraíba durante três décadas, tendo aqui chegado em meio às repercussões do golpe militar de março de 1964. No primeiro momento chegou a apoiar a chamada “revolução”, convertida em ditadura militar logo no nascedouro – mas o fez por não professar o comunismo, que o movimento prometia combater. Mas dom José acabou entrando para a história como um dos mais combativos opositores da ditadura, assumindo atitudes desafiadoras e denunciando violações de direitos humanos, além de criticar constantemente a situação de pobreza a que o povo estava submetido.
A mídia nacional listava dom José como expoente do “clero progressista” que se contrapunha ao “clero conservador”. Ele era mencionado juntamente com dom Helder Camara, arcebispo de Olinda e Recife e dom Paulo Evaristo Arns, arcebispo de São Paulo, como críticos impenitentes da ditadura. Dom José faleceu em 2017 aos 98 anos em Belo Horizonte, onde residia desde que se despediu da Paraíba e passou a ser “arcebispo emérito”, tratamento dispensado a clérigos na sua posição. Foi sucedido por dom Marcelo Pinto Carvalheira, já falecido, que se alinhava com seu pensamento e que atuou como bispo de Guarabira, no Brejo paraibano, depois como bispo-auxiliar da Arquidiocese da Paraíba e, finalmente, arcebispo. Dom Marcelo chegou a ser preso e torturado em Porto Alegre, acusado de “pombo-correio” de dom Helder, com quem trabalhara no Recife.
Um fato inédito na trajetória de dom José Maria Pires é a revelação de que ele aceitava ser tratado, em livro, como “subversivo”, a alcunha que os militares, principalmente os da linha dura, atribuíam a contestadores do regime instaurado em 64. Este repórter vinha acumulando farto material biográfico para escrever um livro versando sobre a trajetória de dom José, incluindo o preconceito racial de que foi vítima por ser negro. O professor Vanderlan Paulo de Oliveira Pereira, que apresentou dissertação de Mestrado na UFPB com foco na ação pastoral de Dom José, de 1966 a 1980, cedeu na íntegra o seu trabalho a este jornalista para subsidiar o livro em preparação, num raro exemplo de generosidade e companheirismo. Comuniquei a dom José, já em Minas Gerais, a minha intenção de lançar o livro e pedi-lhe autorização em face do título.
– Como vai se chamar o livro? – indagou.
– “O bispo subversivo” – respondi, de chofre.
– Não é muito impactante, não? – reagiu dom José, sorrindo.
– Foi extraído de uma declaração do senhor quando respondeu que “se ser subversivo é ficar ao lado dos pobres, defender os pobres, então eu sou subversivo”.
– Ah, entendi. Você é quem sabe. Não há nenhuma censura ou restrição de minha parte – concluiu dom José Maria Pires.
O livro não foi lançado em virtude de problemas pessoais que enfrentei, inclusive, um acidente doméstico, que me obrigou a passar por duas cirurgias e por um semestre de fisioterapia. Mas permanece como o meu desafio. Além de ser admirador pessoal de dom José, ele foi meu primeiro entrevistado quando cheguei em João Pessoa, em junho de 1978, procedente de Cajazeiras. O jornalista Júlio Santana, Chefe de Reportagem do “Correio da Paraíba”, deu-me como primeira pauta a missão de entrevistar o arcebispo. Fui ao Palácio Episcopal acompanhado do ex-deputado João Bosco Braga Barreto, já falecido. Dom José concedeu-me o depoimento que foi manchete do jornal na primeira página, como chamada para a matéria na última página. Posteriormente, a convite dele, eu e Erialdo Pereira, meu editor na TV Cabo Branco, fizemos uma palestra para bispos e padres no Centro de Treinamento do Miramar sobre a conjuntura política da Paraíba em 1982. Na plateia estavam figuras respeitáveis como dom Helder Camara. Dom José foi uma fonte privilegiada que tive no exercício do jornalismo. Logo no primeiro contato ele me forneceu números de telefones onde poderia ser localizado, e nunca deixou de atender a uma ligação minha ou a um pedido de entrevista. “O bispo subversivo” será lançado.
Fonte: Os Guedes
Créditos: Nonato Guedes