Dagmar Vaz, Gaubi: dois em um, dupla despedida – da medicina e da música - Por Enio Lins

Conheci o médico Dagmar Vaz nas lutas democráticas e sindicais dos anos 80, apresentado por Júlio Bandeira

Conheci o médico Dagmar Vaz nas lutas democráticas e sindicais dos anos 80, apresentado por Júlio Bandeira e Sérgio Barroso, talvez num ato político ou, mais provavelmente, no Bar do Alípio, na beira da lagoa, ponto etílico/culinário/cultural que marcou época nas agitadas décadas finais do século XX.

Conheci o compositor e cantor Gaubi no começo dos anos 2000. Estava este que vos escreve na Gazeta, colunando sobre arte e cultura no Caderno B. “Programe-se” era o nome da dita cuja coluna, ¼ de página de terça a sábado e página inteira no domingo. E ainda dava uma palhinha, por puro prazer, numas matérias na capa do B, por gentileza de Silvana Valença e Leke Morone, editoras do caderno. Um dia, apareceu por lá o Dr. Dagmar. Ligou antes para combinar o horário, como se consulta fosse.

Chegou sem jaleco branco. Camisa de sambista, discorreu sobre música, literatura, e lá pras tantas falou que queria divulgar um compositor e cantor dedicado à MPB e às raízes nordestinas, chamado Gaubi, e perguntou: “Já ouviu falar dele?”. Pensei, revirei os fracos arquivos musicais da memória… “Não, não me lembro”. Sorrindo, ele disse: “Sou eu mesmo!”. Ôxe, Dagmar era artista – nunca que soubesse disso.

Me apresentou o projeto de “Amigos”, um disco com suas composições, pôs pra tocar algumas. Só não me lembro mais em qual mídia rodou a “fita demo”, pois os celulares eram pouco mais que telefones sem fio. Mas comprovei que aquele grande médico era um grande músico.

Ao longo dos anos, conversamos umas tantas vezes sobre arte, mais que sobre Medicina e lutas democráticas. Mas nossos caminhos profissionais distintos fizeram rarear nossos papos. Anos depois, minha filha Júlia falou de uma amiga, Júlia, cujo pai me conhecia. “– Cumaé o nome dele?”: “– Dagmar. É médico, e é músico”. Ah, Dagmar médico e músico só tem um, o Gaubi. Batata! A derradeira vez que conversamos sobre arte foi num encontro articulado pelas duas Júlias, na beira da lagoa, como nos velhos tempos.

A derradeira vez que conversamos sobre assuntos gerais foi na sala de reuniões do Hospital Sanatório, no Pinheiro ainda habitado, com a presença, dentre outros, dos doutores Júlio Bandeira e Álvaro Machado. Dagmar, empolgado como sempre, falou sobre as perspectivas altamente positivas para o histórico hospital que batizou uma comunidade.

Mas, em seguida, o futuro do tradicional hospital sofreria tremendo sobressalto por descobrir-se situado na área de alto risco da mineração do sal-gema. Todos os planos tiveram de ser refeitos, e acelerados, pela ordem de desocupação das instalações. Dagmar, quando sobreveio o drama urbano do Pinheiro/Sanatório, já lutava pela vida, por conta de uma fibrose pulmonar que o levou a se hospitalizar, em São Paulo, em novembro do ano passado.

“Mas, mesmo numa UTI, nunca parou de planejar e de orientar. Por videoconferências, se inteirava dos problemas, propunha soluções, seguia na vanguarda. Sempre foi um líder” – relatou Júlio Bandeira.

Álvaro Machado declarou:

“Perdi um amigo muitíssimo querido, mas Alagoas perdeu um baluarte da saúde pública. Seu legado no Hospital Sanatório reflete um coração imenso, priorizando os que mais precisavam e dedicando sua vida para que o hospital honrasse seu compromisso social histórico. Transformou vidas não só na saúde, mas também com seu amor pela música, seu bom humor, sua alegria, sua capacidade de fazer amigos e sua lealdade para com os muitos que cativou ao longo de sua vida”.

Para Gleike Vaz e os filhos Pedro, Flora e Júlia, demais familiares, colegas da medicina e da música, meus sentimentos e meus tributos ao grande Dagmar/Gaubi.

Fonte: Enio Lins
Créditos: Polêmica Paraíba