Esperava-se que no dia 25 de abril de 1984 tivéssemos uma noite de festa no Brasil. No entanto, foi um dia em que a nação brasileira foi dormir frustrada e desolada. A emenda constitucional Dante de Oliveira, que previa eleições diretas para presidente da república em nosso país, foi rejeitada pelo Congresso. A emenda proposta pelo deputado mato-grossense produziu um movimento que levou multidões às ruas em diversas cidades do Brasil, e ficou conhecido como “Diretas Já”.
Ao justificar a apresentação da emenda o deputado Dante de Oliveira, afirmou: “Eu apresentei esse projeto de lei aqui na Câmara dos Deputados em 2 de março de 1983. Isso foi consequência de toda a minha campanha para deputado federal em Mato Grosso no ano de 1982. Quando eu percebia que em todos os comícios e reuniões que fazia naquela campanha, ao falar das questões das diretas, do povo recuperar o voto para presidente, a resposta da população era sempre mais forte, maior, mais profunda. Aquilo foi me marcando, dia a dia. Quando me elegi federal, falei: vou apresentar a emenda das diretas para restabelecer esse direito do povo”.
Dos 320 votos que se faziam necessários para aprova-la, foram obtidos 298, tendo faltado, portanto, apenas 22. Dos 235 parlamentares do PDS, 55 votaram a favor, 65 contra e 113 se ausentaram. Da bancada da Paraiba, somente os deputados Joacil de Brito Pereira, Ernany Sátiro e Tarcisio Burity, votaram contra. Se ausentaram: Edme Tavares, Adauto Pereira, Álvaro Gaudêncio e Antônio Gomes. Os senadores Marcondes Gadelha e Milton Cabral, acompanharam a votação de seus gabinetes. Ernany Sátiro, como relator, deu o seu parecer contrário às onze horas.
Aquela histórica sessão no Congresso Nacional se iniciou às nove horas da manhã e teve o seu encerramento às vinte e duas horas. O senador Moacyr Dalla que a presidia, assim se pronunciou quando finalizada a votação: “Por falta de quórum para sua aprovação, está arquivada a emenda Dante de Oliveira. E está encerrada a sessão”. Parlamentares da oposição, de mãos dadas, cantaram o Hino Nacional e gritaram ao seu final “que a luta continuaria”.
A sociedade brasileira via-se decepcionada com o resultado, porquanto percebeu inútil a grande mobilização popular, nunca vista em nosso país, em favor de uma causa tão empolgante. Vários artistas e intelectuais se faziam presentes nas galerias, de onde ecoavam gritos como: “Um, dois, três, quatro, cinco mil, queremos eleger o presidente do Brasil”. Dentre eles Cristiane Torloni, Fafá de Belém, Débora Duarte, Tizuka Yamazaki e Fernando Gabeira.
O comércio fechou suas portas, durante a tarde, em Brasília. O clima permaneceu tenso por todo o dia. Na noite daquela terça-feira, por quase duas horas, se ouviu o barulho de buzinas dos automóveis e batidas de panelas nas varandas dos apartamentos do Plano Piloto, numa manifestação ruidosa de apoio à Emenda. Uma multidão, em torno de sete mil pessoas, esteve em vigília fora do Congresso, cantando músicas de protesto.
Em João Pessoa, passeatas e vigília cívica foram realizadas, concentrando-se no Ponto de Cem Réis, comandadas pelo Diretório Central dos Estudantes da UFPB. O presidente da ADUF, Sérgio Botelho, contratou dois ônibus para levarem os funcionários da Universidade para a manifestação. Em discurso pronunciado na concentração, Pedro Gondim, coordenador do comitê supra-partidário pró diretas, falou: “A campanha pró-diretas tomou dimensão e aspectos de uma verdadeira festa nacional, obviamente resultantes da terrível asfixia do povo brasileiro que, de uma hora para outra, passou a respirar a esperança de uma mudança e de uma salvação”.
Para o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves, que votou a favor da emenda, a noite foi decepcionante. Assim ele se pronunciou quando conhecido o resultado da votação: “Nos últimos anos de vida pública talvez tenha sido a noite mais frustrante de que eu participei no Congresso Nacional. Era como se de repente estivesse caminhando, chegando a um ponto de satisfação, de realização, comunhão com o povo brasileiro e, de repente, se partisse.”
A repórter Sônia Pompeu, da tv Globo, resumia dessa forma o sentimento dominante após a proclamação do resultado da votação: “Dá raiva fazer todo esse trabalho e ver tudo jogado no lixo”. O Correio Braziliense, no dia seguinte, trazia a manchete: “O SONHO ACABOU”.
O general Newton Cruz, em companhia de sua trupe, comemorava com “hurras” a vitória do governo. Era ele que comandava pessoalmente as operações policiais, que incluíam rígida fiscalização nas entradas e saídas da Esplanada dos Ministérios. Trinta e cinco pessoas foram presas. O ex-secretário particular do presidente João Figueiredo instalou-se durante o dia inteiro no Salão Verde, da Câmara, estimulando o voto contrário à Emenda.
Conhecido o resultado, o deputado Dante de Oliveira pronunciou-se a respeito: “A luta continua. Perdemos uma batalha, mas não a guerra. O Brasil de hoje é outro, após essa grande mobilização popular. Nada deterá a vitória da democracia e da liberdade”. Apesar de derrotada naquela noite, a emenda Dante de Oliveira provocou mudanças nas alianças governistas, contribuindo para a chegada da oposição ao governo algum tempo depois. Vozes de diferentes opiniões políticas se uniram por um ideal comum: “a volta da democracia por meio de eleições diretas”. A ditadura começava a se enfraquecer. Mesmo com a eleição para presidente em 1985 acontecendo pelo Colégio Eleitoral, foi eleito o candidato da oposição, o civil Tancredo Neves. Findava-se a era da “ditadura militar no Brasil.
Fonte: Rui Leitão
Créditos: Polêmica Paraíba