Não é só uma crise sanitária, mas uma crise humanitária potencializada. O caos se instalando a olhos vistos, embora muita gente, inclusive o chefe da nação, teime em não considerar a gravidade do problema. Se o impacto econômico deixa todo mundo atordoado, o que mais se mostra inaceitável é a falta de empatia que tem se verificado no comportamento de boa parte da população. A incapacidade do ser humano em compreender e se sensibilizar com a dor sofrida pelos outros. Percebe-se uma desconexão emocional entre integrantes de um mesmo grupo social, cada um pensando em si próprio. Lamentavelmente estamos vendo manifestações públicas de absoluta falta de solidariedade, revelando uma frieza que causa perplexidade.
Me impressiona ver pessoas ignorando os espetáculos dramáticos dos hospitais superlotados de infectados pelo coronavírus, muitos chegando a falecer sozinhos, sem a companhia de parentes. Indivíduos que desdenham dos eventos macabros em que corpos são sepultados em urnas funerárias empilhadas colocadas em covas récem abertas, porque os cemitérios já não comportam mais a quantidade de enterros. Famílias sem o direito de velar o corpo do seu ente querido, ou sequer participar do velório. Não se pode entender essa postura de indiferença como natural num ser humano.
O colapso nos sistemas de saúde e funerário que já vem acontecendo em várias capitais do país, não tem comovido uma parcela da sociedade que age movida pela ganância e pela paixão política. Evidencia-se um esforço insano de protagonizar uma cruzada contra o isolamento social, negligenciando o senso de responsabilidade no cumprimento das recomendações médico-científicas de preservação ao contágio da doença. O mais trágico nisso tudo é que as consequências dessa insensatez não recaem só sobre esse grupo rebelde, mas têm repercussão danosa para toda a coletividade. As estatísticas mórbidas que são apresentadas a cada dia não despertam nesse pessoal qualquer sentimento de consternação. Pelo contrário, estimulam os fanáticos a proferirem o discurso negacionista, por influência de lideranças irresponsáveis.
Enquanto governantes decidem corajosamente, com a visão humana de que o prioritário é salvar vidas, outros induzem seus seguidores à desobediência civil, num explícito exemplo de desapreço social. Se apressam na tentativa de resolver a crise econômica, desconsiderando a importância preferencial da crise sanitária. O nome disso é espírito de desumanização. Gente com os corações petrificados. Perda de qualidades morais que conduzem a sentimentos de compaixão e solidariedade. Uma ruptura com a racionalidade. O caráter humano se ausentando da personalidade de muitas pessoas.
Para vencermos bem a crise sanitária que estamos enfrentando, é preciso primeiro combatermos a crise humanitária que está se alastrando na sociedade brasileira contemporânea. A humanidade não pode continuar sendo corroída pelo individualismo, buscando freneticamente os ganhos materiais pelo egoísmo exacerbado, esquecendo que o mais importante é encontrar o equilíbrio entre o “ser” e o “ter”, na dimensão real da existência humana. A dignidade é um fim em si mesma enquanto seres humanos. Não abramos mão disso, motivados por interesses que não atendem à coletividade e sim à uma elite privilegiada que vive sugando dos que se colocam na base da pirâmide social. Aprendamos com a dor e reavaliemos nossa visão de mundo e de comportamento enquanto animais humanos.
Fonte: Rui Leitão
Créditos: Rui leitão