Eu não celebro morte, não vibro com sangue, mas não vou fingir pena pela morte do Lázaro. O cidadão foi condenado por estupro (um dos mais vis crimes), homicídio (mais de uma vítima). Era um ser nocivo a sociedade. Vivia à margem, na clandestinidade, sorrateiramente cometendo mais crimes e causando terror a famílias.
Não vou me lamentar. Não mesmo. Digo tudo isto como cidadão individual, pautado em meus sentimentos primários.
Mas assistir a pirotecnia em torno da morte do cidadão é indigesto demais.
O Estado de Direito, imprensa e parte de setores sociais organizados exibindo como troféu e comemorando entusiasticamente a morte de uma pessoa é o fundo do poço.
Um aparato policial com centenas de agentes, dezenas de carros, drones, helicópteros, disco voador, máquina do tempo e, após 20 dias, um corpo cravejado de balas, perfurado como uma tábua de pirulito, marcado nas genitálias, com CPF cancelado na versão oficial do presidente.
Fogos de artifício pipocaram no ar, festas nas ruas, bandas marciais, catarse coletiva!
Quinhentos, quinhentos policiais atrás de um homem, na caçada, como a própria corporação e a mídia sedenta anunciava, atrás de um criminoso, e após três semanas de despiste, dribles, um confronto naturalmente desigual ser motivo desta festa medíocre??
Se no confronto não conseguiu-se evitar a morte do Lázaro… ok, faz parte da natureza da missão. Só haviam duas saídas, ele ser preso, ou morto. O julgamento sobre o modus operandi dos envolvidos caberá (caberá???) a técnicos.
Mas, de antemão, uma coisa foge a normalidade das instâncias: a sede por vingança, o gosto pelo sangue escorrendo na boca, a oficialização do justiçamento, a institucionalização e naturalização do “bandido bom é bandido morto”.
Mais do que como modo de operação policial (que já é histórico aqui), o “Bandido bom é bandido morto” começa a se entranhar na sociedade como mantra. As urnas já indicavam a ascensão desse pensamento, né?
Vejam bem, uso da força policial, repressão em uma sociedade violenta, fora de controle como a brasileira, é, infelizmente, necessária em muitas ocasiões. Estamos no país onde o crime organizado dispõe de arsenal restrito a uso militar. Também não vou fazer discurso sectário, fechado em utopias e antagonizando direitos humanos e ação policial, sempre. Não é assim. As polícias são fundamentais ao controle social, em sua premissa cumprem papel essencial na proteção e tem em seus quadros muita gente imbuída desse único espírito de servir a sociedade. Mas na prática, os abusos e excessos saltam aos olhos e não se pode contemporizar vidas perdidas aos milhares, anualmente. Menos ainda se deve relativizar a tentativa de tornar hegemônica essa distorção de valores para além muros das corporações.
E se o uso desproporcional da força, a ação violenta policial não pode, ou deve ser regra para todas as operações, menos ainda deve ser absorvida no dia a dia de quem está alheio, não integra corporações.
Se estas intercorrências faz com que seja necessário ao militarismo se reinventar dentro da própria estrutura policial o que dizer dessa sanha de militarizar o povo?? Normatizar tudo com rigor inquestionável, estabelecer a truculência como principal medida social de respostas a violência!?
Embrutecimento fortuito, senso de oposição quase sanguinária a quem pensa/age diferente, ou luta por mudanças estruturais e, principalmente, o senso de ser juiz e fazer justiça com as próprias mãos.
Se recrudescimento de medidas, ou leis por si só resolvessem problemas seculares a violência não aumentaria dia a dia.
Mas cada “brasileiro de bem” se entende palmatória do mundo, quer estabelecer penas, realizar censuras e se deliciar com a violência repressiva.
E assim seguimos todos nadando, diariamente, em uma imensa piscina de sangue!
Fonte: Marcos Thomaz
Créditos: Marcos Thomaz