Nada está decidido no Partido dos Trabalhadores sobre a posição a ser tomada em relação às eleições municipais de João Pessoa, apesar da polifonia de vozes desconectadas por parte de lideranças locais e nacionais e da tentativa de ingerência de forças externas no rumoroso processo. Ainda ontem, em João Pessoa, onde comandou evento de governo, o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, advertiu que uma decisão a respeito teria que passar pelo crivo da Federação composta, além do PT, pelo PV e PCdoB, partidos considerados como simpatizantes do apoio à candidatura do prefeito Cícero Lucena (PP) à reeleição. Sabe-se de gestões de bastidores do governador João Azevêdo (PSB) para atrair, de qualquer jeito, o apoio do PT a Cícero, com quem mantém parceria vitoriosa desde a primeira gestão, e nas últimas horas o ex-governador Ricardo Coutinho, que atua de Brasília, por controle remoto, entrou no circuito para hipotecar apoio à pré-candidatura do deputado estadual petista Luciano Cartaxo.
O movimento ensaiado por Ricardo – que, apesar de derrotas consecutivas à prefeitura de João Pessoa e ao Senado ainda é tido como líder influente, principalmente na capital paraibana – significa uma recomposição sua com Luciano Cartaxo, com quem travou brigas acirradas quando estava no Executivo estadual e ele na prefeitura, inclusive, insinuando uma suposta falta de conteúdo ideológico-programático por parte de Cartaxo. Ricardo, porém, como se sabe, faz o gênero “maquiavélico” e tem adversários mais fortes definidos na Paraíba, o principal deles o governador João Azevêdo, que ele próprio (Ricardo) lançou na militância política, obstinando-se em 2018 a elegê-lo sucessor, o que logrou já no primeiro turno. De lá para cá o histórico tem sido de conflitos e desavenças, o que levou Coutinho a patrocinar seu retorno aos quadros do PT como manobra para estar mais próximo do governo e do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Conta-se, a propósito, que Lula tem excluído a Paraíba do roteiro de suas viagens ao Nordeste por pressão de Ricardo e aliados recentes, como o senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB), o que carece de confirmação ou veracidade, mas que tem forçado o governador João Azevêdo a se deslocar a Estados vizinhos para conseguir se avistar com o presidente, como se deu esta semana, com sua ida a Goiana, Pernambuco, para a inauguração de uma fábrica de medicamentos.
Na verdade, Ricardo opera em duas frentes dentro do PT de João Pessoa com relação ao pleito de outubro: na primeira, para impedir que o partido caia no colo do governador João Azevêdo, abrindo mão de candidatura própria e passando a apoiar a reeleição de Cícero; na segunda, agindo ultimamente contra o senador Veneziano Vital do Rêgo, seu novo aliado, que estaria tentando arrastar o PT para o leito da candidatura do deputado federal Ruy Carneiro (Podemos) à sucessão municipal. Veneziano, que é o “mais lulista” dos lulistas fora do PT paraibano, declarou apoio a um bolsonarista de carteirinha, o comunicador Nilvan Ferreira (Republicanos) na eleição para prefeito de Santa Rita, na região metropolitana da Capital, o que confirma que muitos partidários de Lula estão blefando quando agitam a bandeira contra o bolsonarismo na disputa municipal deste ano. O próprio Ruy Carneiro, que caiu nas graças de Veneziano, sempre esteve mais para Bolsonaro do que para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o que serve como amostragem do “samba de crioulo doido” que está formado em diferentes regiões do Estado e do país, no bojo da polarização retroalimentada por Jair Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva.
Mas, voltando ao PT de João Pessoa: chamam a atenção dos analistas a obstinação e o método com que o deputado Luciano Cartaxo se aplica à tarefa de ser indicado, a todo custo, candidato a prefeito, depois de ter exercido o mandato por duas vezes consecutivas, até 2020. Quando foram deflagradas as prévias internas pelo diretório municipal, ele entrou no circuito não para se inscrever mas para “tratorar” a pré-candidatura da deputada estadual Cida Ramos e “melar” o processo. Conseguiu o intento, de tal forma que o Grupo de Trabalho de Tática Eleitoral, coordenado pelo senador Humberto Costa (PE), optou por suspender a realização de prévias – na verdade, por cancelá-las. Depois disto, a guerra passou a ser de bastidores, junto à cúpula nacional, até porque esta se avocou a atribuição de ungir candidatura própria em João Pessoa ou recomendar aliança. A deputada Cida Ramos ficou em nítida desvantagem na nova configuração do processo, até porque vinha trabalhando em outro “front”, ou seja, junto à militância, o que a fez extrair divulgação de manifesto de apoio de representantes de inúmeras tendências que compõem a agremiação, além de ter declaração de apoio do presidente estadual, Jackson Macedo, que a definiu como “mais identificada” com o PT do que Luciano Cartaxo, relembrando a época em que Cartaxo abandonou as fileiras petistas quando estourou o escândalo do mensalão, que envolveu cabeças coroadas do Partido dos Trabalhadores em âmbito nacional. Águas passadas? Pelo visto, sim, pelo menos para Ricardo Coutinho e aliadas como a ex-deputada Estela Bezerra e Márcia Lucena, que “incensaram” Cartaxo como um “deus” provinciano, “o único” em condições de renovar a gestão e fazer frente ao bolsonarismo na Capital paraibana.
A verdade é que o processo está se afunilando nas hostes do Partido dos Trabalhadores para uma definição sobre sua posição no pleito de João Pessoa, e que a demora tem se refletido no desânimo de militantes e até de pré-candidatos a vereador, com sério risco de isolamento da agremiação em termos de aliança política caso seja mesmo oficializada a candidatura do deputado estadual Luciano Cartaxo. Adversários de Cartaxo e de Ricardo Coutinho, aliás, ponderavam, ontem, que o manifesto divulgado em redes sociais acabou atropelando o poder do Diretório Nacional do Partido dos Trabalhadores, que se avocou a responsabilidade de bater o martelo, em intervenção aberta no diretório municipal pessoense, apesar de desmentida como tal. Saltam aos olhos, nestes momentos decisivos, a ambição arraigada de Cartaxo e a obsessão do ex-governador Ricardo Coutinho por uma revanche contra os novos inimigos que ele escolheu (a cada safra eleitoral, Coutinho tem sua própria quota de adversários, dependendo dos seus interesses e conveniências). Enquanto isso, o PT se encaminha, enfraquecido, para a disputa eleitoral, diante da sangria interna verificada e da fogueira de vaidades que não cessa, impedindo que petistas, de forma civilizada, sentem à mesa para uma discussão democrática de nomes e de programas para uma eventual campanha à prefeitura de João Pessoa. É o cenário, sem tirar nem pôr, o que indica que o estrago já foi feito.