O presidente Jair Bolsonaro deu sua contribuição para inflacionar o sistema partidário brasileiro promovendo o lançamento de uma sigla doméstica, comandada pelo “clã” que agrega Zero Um, Zero Dois, Zero Três. A Aliança pelo Brasil (não confundir com Aliança Renovadora Nacional – Arena, que deu sustentação à ditadura militar instaurada em 1964) eclode como uma reação do presidente à crise deflagrada no PSL, partido pelo qual disputou a eleição de 2018 e saiu vitorioso. Bolsonaro já não controlava mais o PSL e receou dar corda a uma agremiação contaminada por denúncias de irregularidades, refletidas na adoção de “candidaturas laranjas” de mulheres para anabolizar a logística financeira com os recursos derivados, por lei, do Fundo Partidário.
Já se disse que Bolsonaro, em 28 anos de atuação parlamentar, bateu recorde de tráfego por siglas partidárias, o que, em princípio, denota o seu desprezo aos partidos. A APB (não se sabe se a denominação definitiva será esta), se não agrega princípios partidários quimicamente puros, ou seja, da essência das organizações, pretende estar forrada por uma babel ideológica que tem como norte a direita, sem uma definição clara se terá um viés assumidamente hidrófobo, absolutamente extremista, para guardar coerência com o tom do capitão reformado e dos seus filhos recrutas. A alusão a valores conservadores e fundamentalistas, como a família, mistura-se ao culto a símbolos de um nacionalismo tacanho que não encontra guarida num mundo super-globalizado e interdependente de troca de tecnologias para sua sobrevivência no mapa.
Autoridades do Tribunal Superior Eleitoral já vinham alertando para o excesso de partidos políticos no cenário vigente no Brasil, tendo sugerido estudos e disponibilizado canais para recebimento de propostas sobre a depuração desse quadro, de modo a possibilitar uma maior homogeneidade das forças políticas atuantes na realidade da terra brasilis. O presidente Jair Bolsonaro não se cansa de tentar vender à sociedade brasileira, em particular, a pecha do anti-PT e do anti-Lula, como a ser admitido como contraponto legítimo a episódios de corrupção e outros escândalos morais que tisnaram a imagem virginal que o Partido dos Trabalhadores tentou ostentar, mesmo quando confrontado com fatos indesmentíveis. Ocorre que não há santidade no entorno que cerca o presidente da República. Pelo contrário, há suspeitas cristalizadas em segmentos da opinião pública de que o mandatário é o protetor de uma corja de milicianos, espécie de força para-militar que atua com liberdade e impunidade e contra quem pesa um rosário que abarca falcatruas financeiras e associação temerária com crimes de repercussão como o da vereadora Marielle Franco, do PSOL do Rio de Janeiro. Desse ponto de vista, a Aliança de Bolsonaro e o PT de Lula não são obviamente iguais, mas também não são totalmente diferentes.
Lula, que ganhou a liberdade como um albergado da Justiça, tendo em vista que ainda carrega nas costas uma pilha de processos que deverão se arrastar, inviabilizando pelo menos uma candidatura sua a presidente da República em 2022, contenta-se, por enquanto, em dispor de um palanque para falar, que é o que mais aprecia, se bem que na sala especial da PF em Curitiba foi pauta obrigatória de órgãos de comunicação do Brasil e do exterior, disseminando o falso argumento de ser um prisioneiro político. Com todo o respeito a Da Silva, o “pajé” petista nunca teve o estofo ético e moral que se atribui para comparar-se a Nelson Mandela, o “Madiba”, da África do Sul do apartheid. Da Silva é um aventureiro que deu certo na política bafejado pelos truques de prestidigitação na comunicação com o público e cozinhando-se nas banhas de uma trajetória empoeirada cujo maior símbolo sempre foi a condição de retirante nordestino, sequenciada pela mistificação como operário. Embora tenha liderado greves gigantescas no sindicalismo brasileiro, a partir da região do ABC, Da Silva nunca foi um trabalhador exemplar – muito pelo contrário. Está mais para “bom vivant”, mas logrou a proeza de cair nas graças de uma certa elite intelectual e até mesmo empresarial no Brasil. Como projeto de candidato, Lula é a incógnita em pessoa, diante da situação atípica que vive e da imprevisibilidade da conjuntura.
Quanto a Bolsonaro, padece de habilidade e pachorra para construir um partido político que nasce do zero, já que a legislação impõe restrições ao uso da máquina oficial como suporte para alavancar partidos. Paradoxalmente, Bolsonaro está prestes a deixar um marco no campo político: a criação de uma legenda que abrigue, além de milicianos, direitistas desiludidos pela falta de representação política. A Aliança de Bolsonaro talvez nem participe das eleições municipais do próximo ano. Mas, num ponto, o presidente estará sendo útil ao “carimbar” no partido que tem o desafio de criar os verdadeiros direitistas até então camuflados no horizonte brasileiro.
Fonte: Os Guedes
Créditos: Os Guedes