
Autor do primeiro voto, na sessão de ontem do Supremo Tribunal Federal que tornou réu o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), acusado de liderar uma organização empenhada em tentar um golpe de Estado no país com a consequente abolição violenta do Estado Democrático de Direito, o ministro Alexandre de Moraes teve papel decisivo para a condenação do político, influenciando os seus pares que, na Primeira Turma, formaram unanimidade na decisão de voto. Atribui-se a Moraes a elaboração de uma peça jurídica demolidora que implodiu a argumentação ensaiada pelas defesas do ex-mandatário e mais sete membros que compunham o chamado núcleo crucial da organização golpista.
O ministro, que é o principal alvo dos bolsonaristas e dos militantes da direita extremista no país, debruçou-se em minúcias sobre os autos do processo, montando pacientemente um quebra-cabeças que o levou a estabelecer ligações entre figuras que tinham papéis distintos no malogrado golpe de Estado.
Na sua manifestação, Alexandre de Moraes expôs, ponto a ponto, toda a intentona golpista que desembocou no 8 de janeiro, fazendo questão, ainda, de detonar as narrativas dos bolsonaristas nas redes, encampadas por advogados dos golpistas que tiveram direito a falas no ambiente da mais alta Corte do país.
De acordo com o ministro, a organização criminosa chefiada por Bolsonaro baseava-se na instauração de um projeto autoritário de poder, enraizada na própria estrutura do Estado e com forte influência em segmentos militares. A organização se desenvolveu em ordem hierárquica e com divisão das tarefas preponderantes, entre seus integrantes – e do núcleo crucial partiram as principais decisões e ações de repercussão social narradas na denúncia fulminante. “O dia 8 de janeiro foi uma notícia péssima para a democracia”, sustentou Alexandre de Moraes, acrescentando: “Não foi um passeio no parque”.
Recorreu, então, à exibição de vídeos para demonstrar a extensão da violência cometida contra as instituições.No entendimento de Alexandre de Moraes, é indiscutível que Bolsonaro conhecia, manuseava e discutiu sobre a minuta do golpe articulado – nesse sentido, garantiu que as interpretações a respeito ocorrerão durante a instrução processual penal. “Se ele (Bolsonaro) analisou e não quis, se analisou e quis, isso será no juízo de culpabilidade. Mas não há dúvida de que ele tinha pleno conhecimento da minuta de golpe que foi apreendida”, enfatizou Moraes. Outros ministros endossaram o relato sobre o risco de atrocidades políticas e institucionais na conjuntura brasileira.
A ministra Cármen Lúcia não foi menos taxativa – e destacou que “a ditadura vive da morte”. Ela citou a historiadora Heloísa Starling e seu livro “A Máquina do Golpe”, onde a autora mostra como a democracia foi desmontada até o golpe de 1964 que instalou a ditadura militar no Brasil. Na opinião da ministra, o livro mostra como “não se faz um golpe em um dia e como o golpe não acaba em uma semana nem em um mês”.
Cármen Lúcia mencionou algumas evidências como a chegada de centenas de pessoas a Brasília no mesmo dia, horário e local, de como os atos golpistas de 8 de janeiro fizeram parte de um plano adrede arquitetado. “A máquina funcionando para desacreditar o que é da confiança do cidadão e da cidadã brasileira, de que é confiável, seguro, rígido e correto o processo eleitoral brasileiro”, declarou a ministra. Para Cármen, a democracia sobrevive da confiança que a sociedade tem de que é melhor viver com os outros para que se tenha maior possibilidade de obter alguma segurança individual e social e cada um poder aperfeiçoar os seus talentos, cumprir suas vocações e ter a chance de fazer da vida uma aventura para ser feliz. “Isso a democracia propicia, isso a ditadura não permite”, complementou a ministra. Ela ainda citou o ministro Flávio Dino, lembrando que se no dia 8 de janeiro não morreu alguém, a ditadura que viria a ser implantada mataria. “Ditadura mata, ditadura vive da morte. Não apenas da sociedade, não apenas da democracia, mas de seres humanos de carne e osso que são torturados, mutilados, assassinados, toda vez que contrariar o interesse daqueles que detêm o poder para o seu próprio interesse”, sentenciou Cármen Lúcia, ponderando que é justamente papel da Constituição brasileira e do Judiciário impedir grupos armados e tipificar como crimes algumas ações como as que ocorreram nos atos golpistas.
A rigor, a condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro não surpreendeu nem a ele próprio nem a seus apoiadores, muito menos a parcelas expressivas da sociedade brasileira que repudiaram as manifestações do 8 de janeiro em Brasília, bem como as orquestrações seguidas incitadas pelo ex-presidente Jair Bolsonaro na tentativa de desacreditar as instituições, os poderes constituídos e abrir terreno para a tomada do poder, inclusive, com a hipótese de eliminação física de adversários, entre os quais o ministro Alexandre de Moraes. Jair Bolsonaro ainda tenta escafeder-se perante seus apoiadores batendo na tecla da perseguição política e da suposta conspiração para impedir sua volta ao poder, depois de tornar-se o primeiro presidente não reeleito da história da redemocratização recente no país. Mas cada vez mais se enfraquecendo e, em virtude dos desafios judiciais que agora terá que enfrentar, dificilmente estará apto, em condições legais, para tentar a reabilitação pelo voto. Na prática, Bolsonaro foi condenado a pagar pelos próprios erros e pelas atrocidades cometidas contra a plenitude do Estado Democrático de Direito no Brasil.