Mistificações e engodos
Por Rubens Nóbrega
(Do Jornal da Paraíba) – Em matéria de política salarial, a Ricardo Coutinho deve ser creditado pelo menos o pioneirismo de copiar o que outros Estados já vinham fazendo há mais tempo: instituiu uma data-base (janeiro) para reajustar os proventos do servidor público estadual. Antes dele, um real a mais no contracheque de qualquer um dependia do humor palaciano ou das circunstâncias eleitorais e políticas da Paraíba. Depois dele, os critérios continuam praticamente os mesmos, mas, pelo menos, existe um mês de referência para se implantar algum reajuste. Nesse particular, o atual governador tem, portanto, um mérito a lhe adornar a biografia.
Pena que a iniciativa não contemple a negociação entre as partes para o estabelecimento dos índices. Há quatro anos, a fixação de percentuais tem sido um ato unilateral de governo que na maioria das vezes sequer repõe a inflação do período vencido. Se alguma tentativa de diálogo é permitida ou até viabilizada, quase sempre acaba em um “o que vou dar é isso aí e pronto!” ou algo parecido e bem ao estilo do governante. Com isso, a cada ano, a cada janeiro, mesmo que no contracheque, nominalmente, o valor do total a receber seja maior do que o recebido no mês anterior, o poder de compra do funcionário do Estado é cada vez menor. O que há, na verdade, é um achatamento progressivo da remuneração, realidade que nenhum complemento, suplemento ou penduricalho – bolsa desempenho, 14º salário etc. – consegue disfarçar.
Na verdade, além de não conseguir mascarar a defasagem, artifícios do gênero quebram a paridade entre ativos e aposentados e pensionistas de determinadas categorias, em especial as do magistério e da polícia. Mesmo assim, governador e governo fazem um ‘carnaval’ na mídia cativa a cada anúncio de reajuste salarial, a cada janeiro, sempre com o propósito de gerar imagem positiva para o gestor e a gestão e sempre recorrendo à mistificação de determinados percentuais de certas categorias, aparentemente mais aquinhoadas do que outras. No caso de agora, a pílula mais dourada ficou com os professores, que teriam sido beneficiados com um reajuste de 20% para aqueles que recebem o piso e mais 9% para quem ganha acima.
Com os ‘20%’, o salário do professor estadual em regime de 30 horas de trabalho semanais ‘subiu’ para pouco mais de R$ 1.500, enquanto o piso nacional ficou em R$ 1.917 para 40 horas. Na verdade, dos ‘20%’ teriam que ser deduzidos os 13,1% antes determinados pelo governo federal e que devem ser seguidos por todos os Estados e prefeituras. Quanto aos 9% divididos em duas parcelas (uma de 4,5% para já e outra para outubro), temo que a inflação acumulada até lá reduza “as ilusões a pó”. Se a inflação de 2014 bateu em 6,42% (quase dois pontos percentuais acima da primeira parcela desse reajuste), quando outubro deste ano chegar o acúmulo inflacionário dos primeiros dez meses de 2015 pode muito bem triturar e diluir os 4,5% da segunda parcela.
Como se fosse pouco, o Estado da Paraíba, apesar do esforço ou da pirotecnia governamental, paga um dos piores salários de magistério de todo o Brasil. E não precisa nem fazer comparações com outros Estados. Quando se compara o que o Estado paga com o que algumas prefeituras pagam, o governo estadual perde feio, fica muito mal na fita. Pelo que sei, até onde sei, um professor do município de João Pessoa ganha duas vezes mais do que o mesmo colega seu do Estado, ainda que os dois tenham a mesma titulação e o mesmo tempo de serviço. E não estou esquecido de que Ricardo passou por lá, ou seja, pela PMJP, e deu a sua contribuição para que a remuneração municipal desse um ‘banho’ na estadual. Não esqueço também, contudo, que dos três últimos prefeitos (ele, Luciano Agra e Luciano Cartaxo), quem deu menos foi ele, o atual governador.
Reza a lenda…
Um dos motivos da indisposição de Ricardo Coutinho com o saudoso Luciano Agra em 2012, ano de eleição municipal, teria sido a um reajuste significativo (cerca de 10% contra uma inflação anual de 5% e alguma coisa) que o então prefeito concedera ao magistério da capital. Naquela ocasião, o governador ainda estava naquela de ‘faturar’ reajustes que variavam de 3% a 5%. Depois do aumento dado por seu sucessor na prefeitura, ficou complicado continuar jactando-se de benfeitor de uma categoria que, para ter direito ao piso nacional, viu o atual governo extinguir e incorporar algumas de suas principais gratificações (a exemplo da GED, Gratificação de Estímulo à Docência).
Quanto à Polícia…
Perguntei ontem ao coronel Francisco, presidente do Clube dos Oficiais, se dessa vez foi reposto o adicional que eles chamam de risco de vida e se era verdade que um policial, em caso de ser ferido e hospitalizado, perde praticamente a metade dos seus ganhos. Vejam só o que ele me respondeu: “Caro Rubens, não temos risco de vida, somos a única polícia no Brasil que não tem este benefício para seus integrantes que no dia a dia arriscam suas vidas. Já em relação ao caso de policiais feridos em combate, é verdade, sim, que eles perdem quase 50% do salário. Perdem também quando gozam férias ou licença para tratamento de saúde. E, se o pior acontecer, em caso de morte a viúva passa a ser pensionista de metade do que o marido ganhava em vida. Entre os oficiais, por exemplo, temos os casos recentes dos coronéis Chaves e Sílvio Lins, este primeiro chefe da Casa Militar do atual governador”.
Quanto ao 1% destinado à grande maioria dos servidores estaduais, além de risível e afrontoso, de minha parte digo que pode ser revelador do quanto o governador não daria a menor importância ao pessoal da atividade-meio, ao pessoal que bota a ‘máquina’ do Estado para ‘andar’, mesmo na base do ‘se arrastando’. E no final de tudo quem paga por mais essa é o distinto público, que continuará dispondo de serviços públicos de sofrível qualidade em muitas repartições onde o atendimento direto é feito por muitos desses servidores que ganham uma miséria. Eles não têm motivo algum para atender bem ou aprender a atender melhor. Afinal, de que lhes serve 1%, se quase todas as suas contas domésticas – da luz à água, da feira ao aluguel – subiram cinco ou seis vezes mais do que o percentual ridículo que lhes foi imposto?