-Pai me acorda amanhã para eu assistir ao jogo.
Havíamos, como nossa tradição caseira determina, combinado de assistir aos jogos juntos.
Mas, já o havia alertado que, nesta feita, iria acompanhar do trabalho, com a turma da Redação.
Mesmo ciente da mudança de plano, Benjamin de férias, queria interromper o tradicional sono esticado da manhã para ver a estreia da seleção feminina brasileira na Copa do Mundo de Futebol.
Pulou de sobressalto ao primeiro chamado:
-Filho, acorda, o jogo do Brasil vai começar.
Cata os óculos, põe no rosto (o primeiro ato em qualquer manhã), salta da cama, se atira ao sofá e gruda os olhos quase remelentos na TV.
Eu, já pronto, preparado para sair, para assistir ao jogo no trabalho, não resisto e me rendo.
Me refestelo no sofá e puxo o caçula para perto de mim.
Me permito um primeiro tempo ao lado dele para compartilhar aquele momento com o menor.
É futebol e, mais que isso, simbolicamente é o futebol feminino.
E Ben, que há menos de um ano, se envolvia pela primeira vez com Copa do Mundo Masculina, dava a mesma atenção ao jogo jogado pelas minas.
Não se contaminou pelos conceitos e preconceitos, os tais princípios de hegemonia que regem a sociedade desde sempre.
O álbum de figurinhas sendo colecionado tal qual, o mesmo desejo de assistir, as observações do campo e paralelas, a vibração com os gols, o grito eufórico, os abraços calorosos da comemoração do gol.
Fim do primeiro tempo.
Brasil 2×0 Panamá.
Hora de compartilhar o jogo da seleção com os colegas de trampo, naquele esquema “um olho no peixe, outro no gato”.
Redação animada e ornamentada.
Um varal de camisas do Brasil foi montado na bancada do computadores.
Mulheres grudadas na tela.
Repito, MULHERES.
Nada coincidentemente, a audiência aqui na rádio era integralmente feminina para um jogo de mulheres.
Coisa de mulher deveria ser?!?!
No caminho, na vinda ao trabalho, nem mesmo as mulheres manifestavam a existência de qualquer acontecimento.
Ruas apinhadas, trânsito normal, intenso, em escala corriqueira, como se nenhum evento ocorresse de fato.
Nenhuma, nenhuma mísera bandeirinha pendurada em carros, sacadas.
Um total de zero camisas vestindo quaisquer transeuntes.
Cenário completamente inverso a imagem de qualquer jogo da seleção brasileira masculina de futebol em Copas, desde que me recordo da primeira, lá no remoto começo da década de 90.
Mas, para o Ben não.
Não há diferença entre a representação feminina e masculina em campo.
Esta constatação nele, sobre ele, é um soco no estômago a mim e outros amantes do futebol.
Eu aprendo, estimulo e tento me inspirar com isso.
Mas falta muito, a mim e a tantos e é sobre isso que quero falar no próximo texto sobre a Copa do Mundo de Futebol Feminino, ou seria simplesmente, sobre nossa sociedade tão masculina e feita para homens!!
Em tempo, o Brasil venceu com folga por quatro a zero, lidera seu grupo e Ben assistiu todinho, sozinho no segundo tempo, de acordo com relatos da mãe que ouvia os gritos de celebração.
Fonte: Marcos Thomaz
Créditos: Polêmica Paraíba