Foi enorme a repercussão da fala do presidente Jair Bolsonaro, que na última semana afirmou ter vontade de ‘encher a tua boca com uma porrada’, ao ser questionado por um repórter de O Globo sobre cheques que teriam sido depositados pelo ex-assessor Fabrício Queiroz na conta da primeira dama Michelle Bolsonaro. Por causa do mal-estar gerado após o ato, o presidente teria reconhecido o erro em reunião com ministros, embora não tenha pedido desculpas publicamente pela frase ríspida.
O fato virou pauta nacional e foi um dos assuntos mais comentados do país e nas próprias redes sociais, pondo fim ao período de “bandeira branca” com a imprensa depois de muitos embates em entrevistas coletivas. O ministro das Comunicações, Fábio Faria, que tem costurado uma relação amena do presidente com os jornalistas, foi ao Twitter dizer que apesar do episódio passado, “a paz continua”. “Aviso aos torcedores do caos e do conflito diário: perderam”, disse.
O fato é que, independentemente de continuarem ou não, tais tensões mostram como os limites da relação entre o jornalismo e a política se perderam ao longo do tempo no Brasil e como tem sido tumultuada a relação entre alguns governos, jornalistas e veículos de comunicação no pais. E quem tem razão nessa história? Respondo no final.
Uma semana antes da frase de Bolsonaro, a ex-presidente Dilma Rousseff, cujo governo não teve uma relação harmoniosa com a imprensa, publicou um texto intitulado “A ‘Falha de São Paulo’ ataca outra vez”, em que rebate um editorial do jornal com comparações entre ela e o atual presidente. Embora não tenha incluído ‘os jornalistas’ em sua crítica, Dilma Rousseff acusa genericamente “a grande imprensa” de ser produtora de fake news e bate pesado no jornal.
“Quem acredita que as redes sociais inventaram as fake news desconhece o que foi feito pela grande imprensa no Brasil – a Folha inclusive”, disse Dilma, ao sugerir que a mídia sabotou o seu governo. Rousseff já agiu assim com outros veículos tradicionais de comunicação, que por anos mostraram os escândalos de corrupção dos governos petistas. Ela também foi uma das presidentes que menos concedeu entrevistas.
Dilma aprendeu com seu seu antecessor e professor: o ex-presidente Lula da Silva. Ele já ameaçou prender jornalistas que publicassem ‘notícias falsas’ a seu respeito. A fala foi amplamente divulgada, embora não tenha causado tanta indignação nem muito menos repercussão entre aqueles a quem eu chamo de “democratas de ocasião”, que se preocupam mais com o mensageiro do que com a mensagem.
Ainda no primeiro mandato, Lula da Silva ameaçou de expulsão do Brasil o jornalista Larry Rohter, correspondente do The New York Times, depois que o periodista publicou uma notícia sobre o gosto do mandatário da nação por cachaça. Confira aqui o depoimento do jornalista ao programa Roda Viva, sobre aquele episódio melancólico contra nossa imprensa.
Depois desses episódios, multiplicaram-se casos de ataques contra a imprensa, inclusive com planos para estatizar os meios de comunicação e agressões físicas e verbais a repórteres e depredações de empresas de mídia em todo o Brasil, inclusive com equipes da TV Globo tendo que ir fazer cobertura sem identificação e sendo intimidadas por militantes. Mais do que arroubos verbais, foram governos que agiram institucionalmente contra a Liberdade de Imprensa.
Mas, até Fernando Henrique Cardoso (PSDB), apesar de não ter demonstrado tamanha contrariedade em público, e cujo governo foi relativamente pacífico nesse ponto, relatou em seu livro “Diários da Presidência” a tensão que teve, nos bastidores, com a imprensa. Ele também criticou a postura dos meios de comunicação, inclusive as manchetes dos jornais, e revelou diálogos que manteve com os proprietários desses veículos.
Jornalismo e interesses políticos não se misturam
Conforme o Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, “a produção e a divulgação da informação devem se pautar pela veracidade dos fatos e ter por finalidade o interesse público”. Assim, o interesse dos partidos ou de quem está no governo não deve ser levado em conta quando o assunto é a notícia, independentemente do presidente da vez. A função básica do jornalismo é informar, e para isso é preciso questionar e criticar, independentemente da cor partidária.
Numa democracia, porém, a imprensa pode e deve ser criticada. Para isso, existem os meios legais, os meios judiciais e o próprio direito de resposta, que deve ser exercido regularmente nos veículos de comunicação. Os jornalistas têm o compromisso, também, conforme o código de ética, “com a verdade no relato dos fatos, razão pela qual ele deve pautar seu trabalho pela precisa apuração e pela sua correta divulgação”.
Os jornalistas têm um papel fundamental nessa reflexão. Assim como a informação não pode ser pautada pelo partido, tampouco o jornalista deveria morder a língua em prol de uma agenda específica. Quando os profissionais não cumprem o seu papel, provocam o desequilíbrio da relação saudável entre repórteres, fontes oficiais e o público. Nesse campo, a audiência sempre será um árbitro a apontar os equívocos e as falhas que ocorrem dentro desse processo jornalístico.
E qual a solução, afinal, para esse dilema? A autocrítica. Esse é um remédio que serve tanto para o jornalista policiar seu trabalho, que deve ser pautado pela ética, correção e honestidade, quanto para o político que, sendo o elo mais ‘poderoso’ dessa relação, usa do seu prestígio para desrespeitar um direito consagrado na Constituição de 1988, que é a Liberdade de Imprensa.
Felipe Nunes – jornalista formado e diplomado, mestrando em jornalismo.
Fonte: Felipe Nunes
Créditos: Felipe Nunes