Certa feita, o venerável literato brasileiro, Carlos Drummond de Andrade, morto em aura de santidade poética, escreveu assim: “É acusada de judaísmo/Já vão prendê-la/Atira joias e prataria na correnteza/A água vira Riacho de Prata/Morre queimada no santo lume da Inquisição em Portugal/Reaparece na Paraíba, em Pernambuco/Sob o luar toda de branco/Sandálias brancas e cinto azul-ouro”.
O brasileiríssimo poeta mineiro tecia referência ao sacrifício de uma mulher de nome Branca Dias, assassinada por ordem do iníquo Santo Ofício. Na verdade, há duas Branca Dias nessa história, com partes envoltas em lenda. Ambas, porém, amplamente possíveis de terem existido e sido efetivamente submetidas a martírio naqueles obscuros tempos do enredo humano na Terra. A primeira, na ordem histórica, teria vivido em Pernambuco, no século XVI.
Morreu por sua fé no judaísmo, assim como tanta gente na vigência da Santa Inquisição e da perseguição aos cristãos-novos. Mas havia outra causa, também: resolvera ensinar a mais mulheres o que sabia sobre como enfrentar a vida. A outra Branca Dias, na mesma história colonial brasileira, em meio ao mesmo terror, e sob as ordens do mesmo Santo Ofício teria sido assassinada no século XVIII. Nesse último caso, a Branca Dias seria paraibana, morta viva na fogueira inquisitória em Lisboa. Quem nos fala sobre ela é outro reverenciado brasileiro, este, da arte teatral, chamado Dias Gomes, em sua libertária e mítica peça O Santo Inquérito.
A paraibana teria assinado sua condenação após salvar um padre do afogamento, tendo morrido por iniciativa delatora do próprio beneficiado com a salvação física. No cardápio acusatório em voga, a heresia. Revela-se, em ambos os possíveis casos, a cruel perseguição à mulher, que foi a grande preferência da Santa Inquisição. Agora, o registro de hoje. Há na Paraíba uma singela e marcante homenagem a Branca Dias a partir de uma entidade sem tradição na defesa mais expressiva das mulheres. Refiro-me à Maçonaria, sociedade secreta criada por homens, na Idade Média.
Com efeito, na tradicional Rua General Osório, 128, a Rua Nova de que tanto já falamos, existe a Grande Loja Maçônica Branca Dias, fundada em 1918, em um prédio que conserva a sua arquitetura original (e, assim, devidamente tombado pelo Instituto Histórico e Artístico da Paraíba-IPHAEP), apesar de reformas. No caso, seria a única loja maçônica, em todo o mundo, a homenagear uma mulher em sua denominação. O que é uma coisa fantástica e admirável e de muito orgulho para a cidade.
Pois bem, são essas particularidades sobre João Pessoa e a Paraíba a que venho me obrigando a estudar e contar, todos os dias, porque acrescem conhecimentos a mim mesmo e a todos os que nasceram ou escolheram a cidade mais oriental das Américas para viver suas existências. Ou ainda para que as saibam os que vivem alhures e tenham acesso às tão perigosas, mas contraditoriamente tão fantásticas redes sociais.
Fonte: Sérgio Botelho
Créditos: Polêmica Paraíba