Nunca fui muito adepto dessa coisa de imposição de identidade local, regional.
O pertencimento na marra.
Aquela máxima de valorizar o que “é da terra” forçosamente.
Um amigo desterrado, sem fronteiras, nem divisas dizia que “quem gosta de terra é minhoca”.
Teorias e resistências à parte, eu sinto e carrego baianidade em mim.
Não como o estereótipo de “andar de Tonga com um atabaque descendo a ladeira do Pelourinho”.
Aliás, há Bahia além de Salvador. Devo frisar aos desavisados, precipitados em perguntar quando faço qualquer menção sobre meu estado de origem: “Você vai a Salvador?”
Eu sou do sulbaiano. “Tomás do Sul” já grita o gaiatinho emendando “ele é um amigo, é um velho companheiro”. Sai a entoar o clássico do axé noventista e rebolando feito a Carla Perez, em provocação…
Carrego muitos visgos naturais da minha raiz baiana.
E admiro, me divirto com muitas destas peculiaridades do comportamento do cidadão da Boa Terra.
Baiano antes de mais nada gosta da vida e de viver.
Pratica o hedonismo diariamente, nas coisas mais corriqueiras.
Desprendido, se realiza e, literalmente, faz festa com as coisas mais simples e triviais, usufrui da vida ao extremo, pouco se importa com o pensamento alheio…
Vive o hoje e agora.
Por estas características de extrair diversão e prazer de quase tudo, simultaneamente, o sociólogo italiano Domenico de Masi elegeu a Bahia como lugar ideal para a prática do seu conceito de ócio criativo.
Imagina só um “eureka” gritado da rede de balançar??
Piada barata, teoria produtiva e generalizações a parte, fato é que, como tudo na vida, a baianidade extrema traz o outro lado da moeda.
O comportamento pouco formal, menos regrado do baiano também cobra um preço caro.
Chega a resvalar no completo descaso, irresponsabilidade.
Ok, pode-se alegar que isso não é exclusividade do bom baiano, mas extensivo a boa parte dos brasileiros.
Bem, estou falando da “parte que me cabe neste latifúndio”.
Estive reenergizando na Bahia e fiquei espantado com uma demonstração ostensiva desta indisciplina nata.
Ninguém, ou praticamente nenhuma pessoa usa máscara. A sensação é da pandemia ter acabado naquelas bandas.
Falo de Itacaré e região, um dos destinos turísticos mais procurados de toda a Bahia e, talvez, um dos 20 mais movimentados do Brasil. Em pleno verão…
De turistas, nativos transeuntes até atendentes de farmácia, bares, restaurantes, posto de combustível, mercadinho etc, poucas, quase insignificante número de pessoas seguindo protocolo sanitário.
Um desbunde total, descaramento, digo desmascaramento geral.
Hospedados no sítio do meu cunhado, junto à família, abdicamos da tradicional caminhada noturna pela avenida boêmia de Itacaré, visita as tradicionais praias urbanas, passeio no fim de tarde na orla.
Transformamos a casa em um refúgio quase monasterial.
Experiências bucólicas, em paraísos naturais afastados, paisagens desertas, cenários paradisíacos e horários específicos.
Já retornando a Paraíba, em passagem pela vizinha Camamu, não me contive e perguntei ao atendente de uma conveniência:
-Há um decreto local proibindo uso de máscaras?
Era um garotão de jeito desleixado, mastigando um salgado com a boca entreaberta e expressão de pouca importância como se exalasse a sua superioridade de ser baiano com algum forasteiro (sim também sofremos disso, às vezes).
Quase esparramado na cadeira, segurava o lanche com uma mão enquanto usava a outra para digitar no teclado do computador.
Apenas franziu a testa, elevando uma sobrancelha para abrir mais um dos olhos em minha direção e, indiferentemente, falou:
-Aqui todos já se sentem protegidos com a vacina. Na Bahia você vai querer povo usando máscara a esta altura do campeonato?? Verão e tudo o mais. Não vemos é a hora do carnaval chegar…
A dor e a delícia de ser baiano.
Fonte: Marcos Thomaz
Créditos: Polêmica Paraíba