“Quem combate a corrupção é a polícia, é o Ministério Público, e não o Poder Judiciário”.
Não, leitores, a frase não é minha.
Este foi o argumento que o ministro Ricardo Lewandoski, do Supremo Tribunal Federal (STF), apresentou na última quarta-feira (14) para tentar evitar o julgamento sobre a anulação das condenações do ex-presidente Lula no plenário da Corte. E revela o fosso atualmente formado entre o sentimento popular e o que pensam os ministros da Suprema Corte.
A frase do ministro foi uma réplica ‘irritada’ ao posicionamento de Luiz Fux, que na ocasião, com base no regimento interno e em nome da garantia do combate à corrupção, defendia a remessa dos autos ao plenário, para que a matéria fosse analisada por todos os ministros, como de fato foi.
A frase de Lewandoski foi comemorada por advogados criminalistas nas redes sociais, que viram nela uma defesa do Estado Democrático de Direito ao supostamente demarcar a competência diferenciada do Poder Judiciário em relação ao Ministério Público. Mas era apenas o prenúncio do que viria a ocorrer no julgamento do ex-presidente Lula: anulação total e heterodoxa das condenações.
A frase nua a crua proferida pelo ministro para o Brasil inteiro ouvir, embora possa estar baseada na hermenêutica dos graduados magistrados, surpreendeu. Golpeou o sentimento popular, há muito ultrajado pela corrupção que rouba de cada cidadão a dignidade. Com todo respeito à Suprema Corte.
As dúvidas que ficam
Cabem algumas reflexões: se o papel do STF é ser o guardião da Constituição, é dele também o papel de ser guardião das normativas que repugnam a corrupção, da lei e da ordem. O combate a corrupção, mesmo não sendo uma prerrogativa direta do STF, deve ser preservada em seus atos e decisões, assim como de todos os organismos e instituições públicas. Além do mais, segundo a Carta de 1988, ‘todo poder emana do povo’, e o combate a corrupção é anseio legítimo e popular.
Como acreditar que a maioria dos ministros está empenhada na preservação da letra constitucional se mudam a jurisprudência ao sabor dos ventos? Sem falar que o próprio STF, neste exato momento, toca um inquérito de ofício, em que ele mesmo acusa, investiga e julga – no caso das supostas fake news – que já enquadrou um veículo de comunicação legítimo, a Revista CrusoÉ, diga-se de passagem.
A moral da história
A frase de Lewandoski era apenas o prenúncio do que viria a ocorrer no julgamento da anulação da condenação do ex-presidente Lula. Por 8 votos a 2, a maioria dos ministros entendeu que não cabia à 13a Vara de Curitiba julgar os crimes atribuídos ao petista. Não porque esses crimes não vieram a ocorrer – isso nem sequer foi discutido – mas porque tais crimes não teriam ligação somente com a Petrobrás, e sim com “a extensa gama de órgãos públicos em que era possível o alcance dos objetivos políticos e financeiros espúrios”, como disse Fachin.
Traduzindo ao pé da letra, o STF decidiu tornar Lula um ex-condenado, não por ausência das sobejas provas apresentadas pelo Ministério Público Federal (MPF), mas por excesso de supostos crimes praticados, conforme apontou o órgão acusatório.
É preciso preparar-se ainda mais, psicologicamente e ‘estomacalmente’, para o que há de vir.
E no fim das contas, concordemos com Lewandoski: quem tem combatido a corrupção é o Ministério Público, não o Poder Judiciário (STF). Com a máxima vênia, senhores, é como penso.
A decisão do STF de hoje expõe uma face de um sistema de justiça criminal disfuncional: se o caso do ex-presidente Lula tivesse tramitado em Brasília, teria sido anulado também. Ou seja, o desenho do sistema brasileiro o torna um jogo de perde-perde para a sociedade. Explico:
— Deltan Dallagnol (@deltanmd) April 15, 2021
Felipe Nunes é jornalista, repórter de política e Mestre em jornalismo.
Fonte: Polêmica Paraíba
Créditos: Felipe Nunes