Opinião

A cobra esgueirou-se pelo chão, entrou numa fresta e sumiu - Por Ronaldo Cunha Lima Filho

Uma das melhores lembranças daquele tempo eram vividas na fazenda Caiçara, um lugar espetacular, com um curral cheio de vacas

Foto: reprodução
Foto: reprodução

Em 1969 , por força da cassação do meu pai, o poeta Ronaldo Cunha Lima, vítima que fora da ditadura militar, que lhe subtraiu o mandado de prefeito de Campina Grande, após 45 dias de empossado, fomos morar em São Paulo e depois no Rio de Janeiro; eu, meus irmãos Cássio, Glauce e Savigny, além naturalmente da minha mãe, Glória e do próprio poeta. Eu tinha 9 anos de idade. Foi um tempo sombrio que deixou em mim marcas profundas. Por isso me rebelo com altivez quando vejo uns malucos defendendo a volta do regime militar. É insano!

Desde então, invariavelmente, passei a desfrutar das férias de fim de ano na casa do meu tio Ivandro e Tia Walniza, parte em Campina Grande, parte em João Pessoa, sempre ao lado dos meus amados primos, Ivana, Ivandro Filho, Nena, Doda e André.
Uma das melhores lembranças daquele tempo eram vividas na fazenda Caiçara, um lugar espetacular, com um curral cheio de vacas, cavalos e outros animais, além de um açude repleto de água de onde pescar com tarrafa garantia peixe para 3 semanas santas.

Acredito que como a maioria das crianças da minha idade ( ou não ) eu adorava cobras.
Foi aí que tive uma ideia peculiar: capturar uma cobra e levá-la comigo para o Rio de Janeiro. Ali eu já sabia, por óbvio, que a cobra a ser capturada não podia ser venenosa. Me vi, então, diante de duas opções. Uma jiboia ou uma cobra preta. Em virtude de ser mais abundante e de não crescer tanto, a escolha recaiu sobre a cobra preta.

Pedi e a Cordeiro, um dos mais antigos moradores da fazenda, que empreendesse a captura do réptil e que tão logo pudesse fosse me entregar na casa dos meus tios, que ficava no centro da cidade, quase que em frente ao chopp do Alemão.

O que eu não imaginava é que a captura da cobra fosse se dar tão rápido.
Eu não estava em casa, foi quando Cordeiro chegou segurando “a encomenda de Ronaldinho”. Acondicionada no que parecia ser um saco de pão, amarrado com um barbante, lá estava minha cobra de estimação. Eu não estava em casa, mas minha vó Marihinha , mãe de tia Walniza, estava. Ela recebeu a encomenda com naturalidade, mas sucumbiu à curiosidade e resolveu abrir o saco pra ver que danado de encomenda era aquela.

Assim que desatou o nó que privava a serpente da liberdade, e abriu a boca do saco, a cobrar deu um salto atlético e conseguiu sair do cativeiro. A cobra saltando em sua direção, com a boca aberta, fez vovó Marihinha desfalecer, mas sem antes dar um grito de pavor, que foi ouvido por toda cidade. A cobra esgueirou-se pelo chão, entrou numa fresta e sumiu. Desapareceu! Até hoje há quem diga que a cobra é vista nas imediações do chopp do alemão, esperando pelas migalhas que caem das mesas do frequentadores, especialmente das salsichas que lá são feitas. Dizem que é o que ela mais gosta. Eu também!