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A arte de agourar e a esquizofrenia nacional pelo "plim plim" - Por Marcos Thomaz

"É óbvio que a Globo desejaria manter direitos sobre “tudo e mais um pouco”, como historicamente fazia, nem que fosse para deixar produtos e profissionais “na geladeira”, pelo simples prazer de evitar que estivessem na concorrência"

Um dos esportes preferidos do brasileiro é agourar.

 

Devo estar sendo injusto, afinal o fenômeno trata-se de característica da natureza humana e o “espírito de porco”, por certo, não é exclusividade nossa. Mas minha ilha é aqui, e há um fator nativo, que torna tudo mais intenso do lado de cá.

 

Mas não basta agourar… além disso o brasileiro pratica o esporte de criar teorias da desgraça alheia. E quanto mais estapafúrdias, absurdas, ilógicas, aí que parece ganhar a adesão “da geral”.

 

Uma quase profecia nacional é a ruína da Globo, sempre associada a todo tipo de tese, conspiração. E o tempo passa, o tempo voa e… o Bamerindus acabou, a Varig acabou, a Mesbla acabou, até o Faustão vai acabar, mas a Globo, não apenas segue de pé, como se renovando e ampliando mercado.

 

Os mesmos que vibraram com a campanha pró golpe deflagrada pela emissora e seus pares contra o PT, agora a acusam de comunista. Vejam vocês, a empresa dos Marinho é Bolchevique para essa turma do terraplanismo!?!

 

Por outro lado, entre os “comunistas” de fato, absolutamente tudo da Globo é um plano secreto da CIA.

 

É em meio a essa esquizofrenia nacional que surge a crença, ou desejo, no Apocalipse now Global.

 

É lógico, a emissora do Jardim Botânico tem receitas completamente comprometidas, assim como todas as grandes redes nacionais, quando não pensamos nas beneficiadas com aporte vultoso do governo Bolsonaro, atualmente financiador de pérolas educativas nacionais como Programa do Ratinho, no SBT telenovela gospel da Record etc e tal.

 

Mas isso é outra conversa… o foco aqui é alcance, penetração da produção televisiva e não saúde financeira dos conglomerados televisivos.

 

Vejam bem, para esclarecer as coisas antes de tudo. Não sou fã da programação, longe de ser consumidor contumaz da produção televisiva global, menos ainda entusiasta da “Vênus Platinada”. Eu sei o que ela fez em verões invernosos do passado, uma destas “estações” nem tão distante assim, que pavimentou esta tragédia que vivemos hoje. Mas sigamos que, como disse, aqui o cerne é outro.

 

Em plena pandemia, sem seu principal produto (as telenovelas), a Globo emplaca um sucesso de pico histórico como o BBB, um produto teoricamente desgastado por mais de 20 edições.

 

Mais que isso, agora embalada por esse êxito retumbante, ressuscita outro formato engavetado (No Limite).

 

Na estratégia escolhida mais uma fórmula do sucesso global: a conexão total entre a programação. Os participantes serão exatamente ex BBBs. Ou seja, em uma só tacada, a Globo mata vários coelhinhos, digo porquinhos agourentos. Além de perdurar a sensação de sucesso do produto BBB, mantendo a marca em plena evidência e a chama acesa para a próxima edição, “ressuscita um defunto” como No Limite e ainda reage a reality show anunciado pela concorrente Record, “Os Ilhados”.

 

Concorrente televisiva à Globo no Brasil, aliás, é um termo figurativo, né??

 

Quem ameaçou, de fato, regularmente, não episodicamente, a Globo nas últimas décadas, desde que se criou um fantasma sobre a liderança dela no imaginário brasileiro?

 

Uma das fontes para legitimar a falência global seria a perda de direitos de transmissão de partidas de futebol. Sem dúvidas é algo emblemático ver a Globo não transmitir Libertadores, Carioca, Copa América etc. Mas há algum tempo a Globo já havia perdido Olímpiadas e “a vida seguiu”, lembram??

 

É óbvio que a Globo desejaria manter direitos sobre “tudo e mais um pouco”, como historicamente fazia, nem que fosse para deixar produtos e profissionais “na geladeira”, pelo simples prazer de evitar que estivessem na concorrência.

 

Mas a sensação é que, desta feita, a emissora comprou o risco, pagou pra ver. O futebol, que de uma forma, ou de outra,para o bem e para o mal, ela “sustentou” por décadas a fio, se transformou em produto caro demais no Brasil e com números nem tão expressivos assim, nos últimos anos.

 

Até agora a aposta global demonstra que ela estava com a razão. O SBT, que herdou os direitos sobre estas competições sob suspeita de injeção de recursos do governo Bolsonaro, patina em índices e perde até de atrações triviais globais. Basta ver “a surra” de share que reexibições de telenovelas do “Plim Plim” aplicam na emissora de Sílvio Santos até em jogos da preferência nacional, o Flamengo.

 

Fato é que, muito além do desejo latente de boa parcela nacional, o “sinal” da Globo, por si só, já parte na frente dos concorrentes. O que demonstra não haver tanta diferença assim para a década de 80, por exemplo, quando a então TVS fazia propaganda orgulhosa destacando o “segundo lugar disparado em audiência”.

 

Para uma análise fria, despida de passionalidades e independente de valoração conceitual à linhas editoriais, é fácil reconhecer o inconteste padrão de qualidade global, bem acima da média nacional.

 

No sistema televisivo convencional a Globo compete com ela própria no Brasil. E continua dando aula de autopromoção com link permanente entre a própria programação, exaltação dos próprios produtos e criação de subprodutos para explorar os cases principais (basta lembrar que o Videoshow ficou décadas no ar fazendo exatamente autocitação à programação global).

 

O grande desafio da Globo é em relação às novas mídias, êxodo de espectadores atraídos por outras distrações, desinteresse de jovens pelo sinal de TV tradicional etc. E até nisso, ela parte na frente de todas as concorrentes brasileiras. Já ocupa com liderança folgada mercado de portais de notícias (G1, Globo.com), é líder mundial no acesso a podcasts (O Assunto) e começa a registrar resultados expressivos para uma empresa brasileira no mercado de streaming, com a plataforma Globoplay.

 

*Título original de Eliseu Lins

Fonte: Marcos Thomaz
Créditos: Marcos Thomaz