Em três anos –de 2016, primeiro ano em que os doados começaram a ser colhidos, até 2018, últimos números disponíveis–, a concessão de medidas protetivas cresceu 35%. Segundo dados do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) obtidos junto a tribunais estaduais de Justiça, o número saltou de 249 mil concessões, em 2016, para 336 mil, em 2018. Isso dá uma média de 922 mulheres atendidas por dia, ou uma a cada dois minutos.
A Lei Maria da Penha atua para proteger as vítimas do agressor e interromper o processo conhecido como escalada de violência –na qual a intensidade das agressões aumenta ao longo do tempo. Com a medida, é possível, por exemplo, exigir que o agressor mantenha uma distância mínima da mulher e dos filhos, além de outros meios de proteção.
Em 2018, foram abertos 367 mil novos inquéritos de violência contra mulheres, o que mostra que quase todos resultam em uma medida protetiva. Apesar disso, havia ainda no ano passado 359 mil inquéritos pendentes –número que vem caindo, já que em 2016 eram 412 mil.
Para Rodrigo Capez, juiz auxiliar da presidência do CNJ, os 13 anos da lei serviram para prevenir crimes mas também para conscientizar sobre violência contra a mulher. “Essa é uma das maiores das virtudes da lei”, diz ele. “A violência acabava sendo naturalizada, a mulher muitas vezes não conseguia entender como havia violência no ato de ofender, de humilhar. A grande vantagem de 2006 para cá é a conscientização da vítima de que ela não é um objeto”, afirma.
A proteção pode ser solicitada em qualquer delegacia. Para isso, é preciso registrar um boletim de ocorrência e pedir a medida protetiva para a autoridade policial. Nesta etapa, o policial pode requisitar exame de corpo de delito e outros exames. Feito o registro, a polícia deve enviar o pedido de proteção imediatamente a um juiz, que tem um prazo de 48 horas para atender a notificação. É o juiz quem vai ordenar como a medida deverá ser cumprida, salvo casos específicos. O descumprimento tem pena de três meses a dois anos de prisão.
Capez afirma que o instrumento protetivo é eficiente. Para exemplificar, ele cita uma pesquisa de 2018 do Instituto Patrícia Galvão que apontou que 97% das mulheres assassinadas não tinham medida de proteção, enquanto 96% não tinham sequer registrado Boletim de Ocorrência.
“Ele dizia que colocaria fogo no carro comigo dentro”
No final de 2016, Ana (nome fictício) recorreu à polícia em Maceió para denunciar as ameaças que sofria do namorado, num relacionamento que durou três meses e que ela classifica como abusivo. “O ápice foi quando ele pegou no meu braço forte, me agredindo, porque eu não entreguei a chave do meu carro. Ele estava bêbado e queria dirigir. Não apanhei porque parei o veículo em um lugar com muita gente e mandei ele sair”, conta.
Ela, então, procurou a polícia. “A partir daí, comecei a receber ameaças por telefone e WhatsApp. Não tinha hora. Fiquei muito assustada. As mensagens eram sempre dizendo que ia me matar, colocar fogo no meu carro comigo dentro”, diz, citando que conseguiu medidas protetivas do Juizado da Violência Doméstica de Maceió, onde ajuizou cinco ações contra o agressor. A medida protetiva foi concedida cerca de dois meses depois, obrigando o ex-namorado a se manter ao menos 500 metros distante.
Desde o ano passado, existe em Alagoas a Patrulha Maria da Penha, formada por policiais militares que visitam mulheres sob proteção. “Diariamente visitamos essas mulheres como uma forma de deixá-las ainda mais garantidas”, conta a major Marcia Danielli, responsável pelo projeto. No Rio, projeto semelhante foi lançado nesta semana.
Para defensora pública na Bahia e doutoranda da UFBA (Universidade Federal da Bahia), Firmiane Venâncio, a lei criada há 13 anos se mostrou eficaz ao inibir agressões e promove uma reflexão social sobre o tema.
Ela destaca que o aumento de número de medidas protetivas não quer dizer que houve aumento da violência no período. “Mostra que tem havido cada vez mais confiança das mulheres nesse sistema de proteção. Há mais medidas [concedidas] porque mais mulheres têm denunciado”, conta.
A defensora já atuou na linha de frente no atendimento a mulheres vítimas de violência e assegura que, apesar de ainda existir, o número de descumprimento de medidas é pouco significativo.
Todo mundo sabe o que é Lei Maria da Penha
Segundo a ex-secretária Nacional de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher (2007 a 2016) e hoje consultora na área de políticas públicas Aparecida Gonçalves, não há dúvidas de como a lei mudou o modo de se enxergar a violência contra a mulher.
“Hoje, é uma das leis mais conhecidas no Brasil. As pessoas sabem que existe. Podem nem saber exatamente o texto, mas sabem que ela é para combater a violência.”
Entre os avanços estão a tipificação dos crimes de violência, seja psicológica, moral, sexual ou patrimonial. “Isso é importante porque vai dar conta do que acontece principalmente dentro de casa. E a lei termina ferindo a questão de um discurso naturalizado no Brasil de que em briga de marido e mulher não se mete a colher, ou o que acontece dentro de casa em casa fica”, aponta.
Entretanto, ela ainda vê “grandes desafios.” “Nós ainda não conseguimos chegar a 10% dos municípios com serviços especializados. Onde tem o serviço, ele previne. Acho que não é suficiente nome de juizados especializados, não é suficiente o número de promotorias de defesa da mulher, e muito menos de defensoria pública”, aponta.
Segundo dados do painel do CNJ, em 2016 existiam 106 varas exclusivas para casos de violência doméstica, e, em 2018, elas somavam 131.
Para Aparecida, o Judiciário também deve ser mais célere. “Quantos processos estão de fato sendo julgados? Quantos processos estão sendo arquivados nas prateleiras das delegacias ou do MP ou dos juizados? A medida protetiva é uma urgência, mas você tem que dar encaminhamento. Você tem que encerrar o processo. Quantos homens foram punidos ou responsabilizados?”
Caso você sofra com violência doméstica ou familiar, ligue para o número 180. A ligação é gratuita. Em 2018, o Ligue 180 recebeu 92.663 denúncias.
Fonte: Universa
Créditos: Carlos Madeiro